Já no final dos anos 50 o Toni começou a apresentar um problema de visão, até foi ventilado que provavelmente se tratava de cegueira noturna. Provavelmente era apenas um quadro de avitaminose A que fazia com que ele tivesse dificuldade de enxergar na penumbra. Por esta razão comprou uma égua a Zaina para ir aos ensaios de canto do padre Afonso Correa. Apesar disso o Bernardo não concorda muito com esta afirmativa.
Pelo sim pelo não uma das teteias do nono eram as frutas que ele cultivava, o parreiral sempre era mantido impecável, as laranjeiras da frente da casa, definiam o limite do terreiro, as bergamoteiras se espalhavam por diversos lugares e a figueira… Bem a figueira mesmo dando frutos sem vitamina, e por consequência, inócuos para a questão da cegueira noturna, a figueira era cuidada com um zelo especial, por duas razões: as folhas quando colocadas no alambique para destilar a cachacinha davam um sabor especial e os figos, estes eram um manjar dos deuses, que ele cuidava para que amadurecessem no pé, pois assim ficavam mais doces. Só quem já comeu um figo colhido totalmente maduro sabe o que é degustar uma delícia, diga-se de passagem, mais uma dádiva sagrada deixada pelo criador aos mortais.
No entanto um grande problema para os adoradores de figos, eu também sou um deles, é que muitos passarinhos e até aves maiores também tem uma atração especial por esta fruta e por isso é preciso vigilância constante ou alguns truques para poder saborear figos maduros. No Bom Retiro, no ano de 1963, atrás da casa, a figueira do Toni não era exceção à regra, passarinhos tentavam degustar os figos antes do proprietário, e se já não bastasse isso o galo de terreiro descobriu o sabor da tão cobiçada fruta e começou também ele a se banquetear pousado nos galhos da figueira. O Toni já enfrentava a gula das galinhas que atacavam os cachos mais baixos da uva e agora tinha que enfrentar o galo que também queria dividir a produção da figueira.
Como método para desestimular os comensais indesejados ele desenvolveu a técnica de jogar pedras, juntava alguma pedrinha com a canhota e jogava de forma certeira. Na maioria das vezes, depois de uma ou duas pedradas a ave aprendia que aquele era território proibido, o mesmo aconteceu com o galo comedor de figos. Mesmo assim os figos continuavam a desaparecer antes de estarem maduros no ponto que ele esperava. Chegou a passar quase o dia todo a vigiar a dita árvore e não conseguiu descobrir como galo conseguia roubar-lhe os figos, a esta altura já estava a desconfiar que pudesse ser um galo astuto treinado pelo Lino para fazer sacanagem, mas o Lino já estava fora há mais de 10 anos, talvez outro estivesse treinando o galo, de qualquer forma não era de dia que os figos eram roubados. A menos que o galo se recolhesse ao anoitecer e depois voltasse para comê-los. Já tinha passado e repassado todas as hipóteses e não chegara a nenhuma conclusão.
Já começava a anoitecer e as galinhas já estavam recolhidas, o Toni se dirigia à cozinha, onde a Nona preparava a água da polenta, quando ele ouviu um ruído vindo de trás da casa. (PS.:) Não esperou nenhum segundo e foi correndo em direção à árvore do paraíso, um vulto escalava a figueira em direção aos frutos quase amadurecidos. Neste momento precisava manter o sangue frio, já tinha sido afrontado por demais pelo galo de terreiro. Juntou uma bela pedra do chão e pensou consigo mesmo: – Quá comando mi. (Aqui eu mando). Ajustou da melhor forma a pedra na mão esquerda e lançou com vontade…

Foto da família aproximadamente da época do fato. Toni de chapéu e Bernardo um dos meninos de cócoras.
O pobre bicho deu um grito e despencou galhada abaixo, mas não era um galo. Xi acho que houve um problema! Foi até a figueira e não conseguindo ver direito arrastou o animalzinho desacordado até onde havia luz. Alertados pelo grito estranho já correram para fora o Abel, a Alzira e a Isa, ainda com a mescola da polenta na mão e uma lamparina. Era o Bernardo, meio desacordado e com um baita galo no meio da testa causado pela pedrada do nono. Galo! A esta altura o Toni não queria mais saber de ouvir falar em galo.
PS.: Quando o Bernardo leu a história ficou intrigado, pois não se lembra o que o nono disse ou fez para que ele descesse da figueira, agora só nos resta a confirmação ou a alteração da história pela tia Alzira. Isto modificaria o final da história, caso não tivermos nenhuma outra informação vou manter este final que combina com o estilo da família de reescrever finais para as histórias como o nono, o pai, o tio Pio e o tio Abel faziam magistralmente.