Esta é outra das histórias do Seu Lino, e suas aventuras como veterinário da região (1).
O fato ocorreu no inverno de 1978, na época das férias de inverno, quando se encontravam na casa do Seu Lino, o narrador deste acontecimento e seu amigo Geraldo, na época estudante do primeiro semestre da faculdade de medicina.
O dia estava chuvoso, e como era de costume “já que não dava para trabalhar”, nos reuníamos para comer rapaduras de “açúcar preto” (mascavo), com amendoim, “atiçar” os cachorros contra os gatos e, quando a chuva acalmava, correr atrás das lebres, que graças à nossa péssima pontaria quase sempre escapavam ilesas aos tiros de nossas velhas espingardas.
Estávamos com as espingardas prontas para sair à caça, quando chegou um vizinho, morador do “Travessão do Coqueiro”, localidade distante uns seis quilômetros da nossa casa.
– Buenas seu Lino!
Foi dizendo o “brezocollo” (denominação que os descendentes de italianos davam aos caboclos).
– Vim aqui pro sinhô socorrê minha porca que tá produzindo.
– Prontamente!
Respondeu o Seu Lino, usando sua tradicional expressão para quando se prontificava a atender a um chamado, enquanto agarrava a costumeira sacola de couro, equipada com a “castradeira”, uma “agulha de sutura” feita de palheta de guarda-chuva, um cano de guarda-chuva cortado em diagonal, que servia para “furar o bucho” quando o animal estivesse “estufado”, um “aparelho de injeção” e outros aparatos não menos exóticos e contaminados que os já citados.
Entusiasmado com a possibilidade de assistir a um parto, e talvez até prestar alguma ajuda, o nosso calouro da medicina se prontificou a acompanhar o Seu Lino. Como também me interessava pelo assunto, resolvi seguir a comitiva.
O Seu Lino enfiou seu “Ramenzoni Standard” na cabeça (2), saltou no assento do trator Valmet, e assim seguiu acompanhado da comitiva que ia pendurada ao trator.
Chegando à casa do Seu Moreno, fomos logo acudir a porca.
Seu Lino tomou a dianteira, aproximou-se do animal – que tendo “produzido” um leitão – continuava fazendo muita força, com pressa de mostrar suas habilidades.
A porca era grande e bastante gorda, dificultando o trabalho do sensível obstetra, que apalpava cuidadosamente a barriga da porca.
Bastaram alguns segundos de exame para que o mestre, olhando para nós com ar de sabedoria, desse o diagnóstico definitivo:
– Não tem mais leitão algum! Ela somente gerou um porquinho.
Inconformados com a simplicidade da intervenção, o filho do veterinário argumentou:
– Acho melhor que o Geraldinho também examine o bicho, pois com seu conhecimento científico talvez tenha um parecer diferente.
Contrariado, Seu Lino permitiu o exame, esperando que o “médico” confirmasse o diagnóstico, mas nosso amigo “quase médico”, depois de tatear a barriga da porca, querendo forçar um “intervenção cirúrgica”, pintou um quadro muito grave, e que “pela sua experiência”, pensava que somente uma casaria poderia salvar o animal, pois havia um leitão atravessado e somente a Cesária poderia salvar a porca.
Seu Lino, apesar de contrariado, cedeu ao conhecimento científico e se entusiasmou em poder, mais uma vez exibir sua habilidade cirúrgica. Foi logo retirando os apetrechos da sacola e depois de pedir para amarrar o bicho deitado de lado na posição adequada, foi logo pelando o local para a incisão.
Diante do olhar curioso dos assistentes, que seguravam a pobre porca, e, com muita destreza, rapidamente o “veterinário” cortou a porca e enfiou a mão para dentro, aumentando o clima de expectativa dos acompanhantes do parto.
Numa expressão de aborrecimento e desapontamento, olhando para a platéia, Seu Lino foi retirando a mão:
– Como eu já havia diagnosticado, aqui não tem leitão nenhum!
A chacota foi geral, e Seu Lino contrariado e meio bravo por causa dos conselhos dos curiosos que o induziram ao erro, tratou de fazer a sutura, juntar os apetrechos e voltar ligeiro para casa, para tomar um trago e esquecer o fracasso da cirurgia. Subiu no Valmet que era famoso por ser “o mais rápido da região” e sem esperar que seus ajudantes fizessem o mesmo, acelerou a máquina e partiu se vingando da dupla que teve que amargar seis quilômetros a pé para voltar para casa.
(1) Seu Lino conhecia toda a região, atendia dois ou três “pacientes” por semana, e sabia a data de nascimento da maioria das vacas, cavalos e outros bichos da região.
(2) Ramenzoni Standard era o chapéu que Seu Lino usava, era mais fácil ver ele sem calças, do que sem seu companheiro Ramenzoni.