Antes de iniciar esta história, para que não se cometa nenhuma injustiça contra Seu Lino, contra a Dona Maria ou contra a vaca Paloma, preciso fazer um esclarecimento.
Com todo o respeito (e medo?) que Seu Lino tinha pela sogra, sempre procurava deixar bem claro, que quando usava o termo “a vaca da sogra”, jamais lhe passava pela cabeça qualquer interpretação maliciosa, queria apenas referir-se à vaca que pertencia à sogra.
Dona Maria, sempre muito exigente com a saúde e demais cuidados para com seus animais, tinha uma predileção especial pela vaca Paloma, que se dizia ser uma das mais leiteiras da região.
Muitas vezes enquanto Ludomila e Tarcila, as filhas de Dona Maria, ordenhavam a vaca, a velha matriarca ficava observando o animal, atenta a qualquer sinal que pudesse indicar uma anormalidade.
Nesta época a enérgica senhora não metia a mão numa vaca para tirar leite, e quando alguém a questionava sobre o fato, simplesmente perguntava: “Por que é que a gente tem filhas?”
Certo dia enquanto ordenhavam a Paloma, Dona Maria observou que a vaca estava diferente, meio arrepiada e um pouco “descaída”. O fato recomendava chamar o Lino para examinar a distinta ruminante. Além de genro de Dona Maria, Seu Lino, também era conhecido na região como veterinário devido aos seus conhecimentos da medicina animal, e, tanto conhecia, que sabia até mesmo a data de nascimento da maioria das vacas, cavalos e outros animais da redondeza.
Não tardou para que o dedicado “doutor” atendesse a mais esse chamado e, mesmo antes de chegar perto da vaca, já fosse dando o diagnóstico definitivo e prescrevendo a medicação:
– É pura verminose…
– Esta vaca está fraca por causa dos vermes e por isso precisa urgente de um vermífugo para acabar com eles e um tratamento a base de cálcio intravenoso para se fortalecer novamente.
Deve-se esclarecer que o cálcio intravenoso era a prescrição preferida do nosso especialista já que na região ninguém tinha os aparelhos nem sabia aplicar esta medicação, o que ele fazia com muita destreza, e, também por isso, todos tinham-lhe muita consideração como técnico das ciências veterinárias.
Dona Maria que prezava mais pela ruminante do que por muito outro ser inteligente, não questionou o tratamento (também não cabia questionamento, porque de vaca o Lino entendia) e mandou buscar logo os remédios para restaurar rapidamente a saúde do animal.
Chegados os medicamentos, lá estava novamente o Tio Lino (1), pronto para mais uma intervenção, e esta era de muita responsabilidade, porque tinha que mostrar para a sogra como tinha sabedoria e valor.
Passou o maniador (2) na vaca, palanqueou (3) bem palanqueada, pegou os frascos encomendados e foi preparando o tratamento salvador.
– Primeiro vou fazer o cálcio que é mais difícil.
Comentou o veterinário enquanto com a agulha perfurava a jugular da vaca para aplicação do medicamento. O sangue jorrou forte e ele rapidamente conectou à agulha a mangueira do frasco previamente preparado em sua mão.
Mal se iniciou a aplicação, sob o olhar angustiado do especialista, a vaca começou a estremecer, enquanto ele rapidamente soltava o maniador e tratava de retirar a letal medicação.
Os assistentes, sem perceber a gravidade do fato, imaginavam que fosse uma reação alérgica ou qualquer tipo de não tolerância à medicação, mas Seu Lino, com sua larga experiência, já percebia do que se tratava.
Libertada rapidamente das cordas, a vaca deu dois passos para frente e caiu inerte, já sem nenhum sinal de vida.
Temendo a reação da proprietária, o veterinário preferiu dizer a verdade, e, com seu costumeiro hábito de ver o aspecto positivo dos fatos, explicou:
– Mudaram o frasco do vermífugo, e fizeram muito semelhante ao vidro de cálcio. Foi uma pena… mas ao menos garanto que não sobrou verme nenhum…
Sem aguardar os agradecimentos da sogra pelos serviços prestados, Seu Lino juntou seus apetrechos, montou na égua Vitória e sem nenhuma perda de tempo tomou o rumo de casa.

Sempre cercado de animais o Lino fazia do treinamento de animais uma diversão, e as crianças participavam disso.
(1) Como a maioria das pessoas mais jovens do povoado e arredores eram sobrinhos de Seu Lino, ficou generalizado chamarem ele de Tio Lino.
(2) Tira de couro com aproximadamente quatro centímetros de largura, usada para imobilizar o animal (a tira plana não provoca luxações).
(3) Palanquear significa amarrar o animal em um tronco (palanque) geralmente em lugar limpo e isolado para facilitar os trabalhos de cura de bicheiras, vacinas, corte de chifres, castração, etc.