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O meu pai – As aventuras do corcel marrom

Já se passaram alguns anos desde que ele nos deixou, no entanto ele ainda continua vivo em nós. O seu jeito brincalhão, a sua disposição ao trabalho, os saberes acumulados pela experiência e os das vivências, as histórias.. e em especial o jeito de contar histórias. Acho que aprendi a técnica dele quando a Silvia e eu escrevemos o livro do Nono “Toni Torchio”. Tentei descrevê-la no inicio da segunda parte do livro. E tem as histórias como as de seu engajamento político como a dos bois políticos. Ele era brizolista, trabalhista, nunca fez grandes campanhas, mas nunca deixava de expressar sua posição (a história está no link). Eu sempre tive uma posição política um pouco avessa ao capitalismo a historia e a explicação das razões está num post dos meus escritos do seminário do Braga. Nunca, no entanto fui fanático, porque acredito que a verdade de cada um é pessoal.

Mas eu queria escrever de como ele me ensinou a ser humano e para isso vou contar uma história, é claro que usarei o seu estilo, mas vou contar uma história minha.

Vamos nos situar, o ano era 1982, eu tinha a filha, a Liceia, com dois anos. Eu andava meio ressabiado da política, tinha gritado pelas “Diretas já” e resultou no Sarney. O Brizola que brigara pela sigla PTB e criou o PDT. Mas por falar em partido, meu coração político estava partido, acho que esta é a verdadeira explicação. Era Ano eleitoral mas eu não estava nem aí.

Neste ano o dia da Criança era terça-feira, aí no meu trabalho deram a segunda de folga por conta do dia do professor. Belíssima oportunidade para rever meus professores de vida, o pai e a mãe. E lá fomos nós rumo a Palmeira das Missões pilotando um velho Chevete 1964. Fim da tarde de sexta e estávamos estacionando em frente a casa. Abraços e beijos de chegada e uma pergunta:

– Cadê o pai?

– Tá circulando por aí com uns políticos.

Só aí me dei conta que estávamos numa campanha eleitoral. Descarregamos as malas, nos acomodamos, jantamos e fomos dormir e nada do pai. Bem! Amanhã cedo a gente dá um abraço nele. No outro dia cedinho, lá pelas sete e meia, acordamos e:

– Bem! Agora vamos tomar chimarrão com o pai.

Só estava a mãe tirando leite, a chaleira chiando no fogão e nada do pai. A mãe chega com o balde de leite e de novo vem a pergunta clássica:

– Cadê o pai?

– Já saiu com o Leo e os políticos, o Leo é candidato a vice.

– Ah! Tá.

Passamos até o meio dia com a mãe fazendo almoço e ao redor da casa e da horta. Almoçamos e nada do pai. O seu Adão, que vira um carro diferente veio ver quem era, tomamos uns chimarrões juntos e ele foi trabalhar. Já eram quase três horas estávamos na frente da casa jogando conversa fora. E, eis que surge na estrada poeirenta o velho corcel marrom e estaciona bem encostado no portão, dele saem o pai, um bigodudo e o Leo.

– Buenas tardes!

– Boa tarde, este é o …

Nem prestei atenção, meus olhos estavam fixos no pai que foi direto a cozinha com cara de cachorro faminto e falou pra mãe:

– Mãe? Será que dá pra fazer alguma coisa rápida pra nós? A gente está sem almoço e sem café estão vindo também o … o… e o…

Confesso que não prestei atenção a nome nenhum. Só prestei atenção ao fato dele tratar a mãe com humildade e o respeito que ela merecia. A mãe respondeu que tinha sobrado arroz, feijão e mandioca do meio dia e podia fritar alguns ovos. Ele respondeu que estava ótimo pois não podiam demorar. Enquanto isso na sobra, lá fora, o bigodudo e o Leo falavam com as crianças e a Catia. O pai e eu saímos da cozinha e fomos nos juntar a eles. Me apresentei e falava do meu trabalho quando surge na curva uma Brasília azul empoeirada e estacionou ao lado do Corcel. Dela saltaram um outro bigodudo, que estava no volante, um barbudo que estava no banco do carona e um engravatado que estava no banco de trás. Conversamos um pouco enquanto o almoço não ficava pronto, a conversa era toda direcionada à valorização do trabalho e do trabalhador. Lembrei dos discursos do Brizola, meu maior ídolo até então.

Olívio Dutra

Alguns anos mais tarde mudei de ídolo.

Aí entendi, eram do Partido dos Trabalhadores em Palmeira e que meu irmão era candidato a vice-prefeito e que o bigodudo da Brasília candidato a prefeito. Confesso que não prestei muita atenção aos outros. Aí a mãe chamou para o almoço, eles almoçaram rápido e pegaram a estrada novamente. Ficamos nós e a mãe.

– Mãe! Quem é esta gente?

– Aquele que veio com teu pai é o Olívio Dutra. – O da Brasília é o Siqueira candidato a prefeito com o Leo, aquele de barba é o Luís Inácio da Silva, presidente do partido e o outro é o Jacó Bittar de Campinas.

Foi assim que conheci o Lula. Mas a lição que ficou pra mim do episódio é que aquele pai que as vezes parecia um gurizão brincando com as crianças, sabia muito bem defender suas posições políticas, e era capaz de dar o melhor de si para defendê-las.

Lino o meu ídolo

As vezes uma criança grande, outras um adulto responsável e comprometido politicamente.