Os primeiros tempos (este é um trecho da história da família do Lino)
O primeiro ano, depois da mudança foi bastante duro, buscávamos água numa fonte que ficava mais de trezentos metros da casa, para lavar a roupa a mãe precisava ir até a sanga (arroio) um pouco abaixo da fonte. Nos primeiros meses tínhamos dois baldes de madeira para buscar água na fonte, umas duas ou três vezes no dia.
Na época o Leo tinha uns nove anos e eu sete, para carregar o balde de água usávamos uma vara, pouco maior que um cabo de enxada, que enfiávamos na alça do balde para facilitar o trabalho, como era subida, eu ia à frente, porque era mais baixinho, e o Leo atrás. Muitas vezes com o sacolejar das passadas chegávamos em casa com pouco mais de meio balde de água. Por isso fazíamos muitas viagens por dia. Mais tarde o pai fez uma zorra com uma forquilha e encaixou nela um barril que cabia uns dez baldes aí facilitou um pouco a nossa vida, ele buscava água no barril no final da tarde e nós apenas precisávamos buscar água fresca para beber durante o dia.
Esta rotina se estendeu por bastante tempo, quase um ano, neste meio tempo a mãe foi picada por uma bicho venenoso, que nunca soubemos o que foi, e com isso quase tudo o que tínhamos foi gasto com médicos e remédios, ela estava grávida da Luiza, com movimentos limitados por causa da perna enormemente inchada…
Corrida sem obstáculos. (esta é uma das mutas histórias que permeiam nossas vidas)
Aqui é preciso fazer um parêntesis na história. Os personagens são a mãe, o Leo, o Leonildo e eu. A mãe grávida e com um problema numa perna, recém estava sarando da picada do bicho. Neste dia o Pai estava fora arrastando toras para a serraria do tio Luiz Trentin, o Leo e eu ficamos cuidando da casa e a mãe foi lavar roupa na sanga, o Leonildo não quis ficar conosco e foi com a mãe, ficou brincando no banhadinho a tarde toda.
Um pouco antes do pôr do sol, quando as sombras começam a ficar compridas, o matinho da fonte começava a fazer sombra no poço onde estava o lavador a mãe terminou de torcer as últimas peças de roupa e colocou na bacia para voltar para casa.

Lavador – Este dispositivo prático era usado para lavar roupas de joelhos no lado do arroio que o barranco terminava em zero, em geral do lado de dentro das curvas do rio ou arroio.
O lavador era um dispositivo, muito usado na época para facilitar o trabalho de lavar no arroio, como é muito difícil de descrever terei que desenhar. O lavador ficava do outro lado da sanga, tinha uma pinguela feita com três paus roliços para atravessar o arroio. O poço do lavador ficava numa curva do arroio de forma que ao norte e leste ficava a nossa terra, no quadrante sudoeste ficavam as terras do Seu Tatão, o lavador estava daquele lado porque não tinha barranco no lado de dentro da curva do rio. No quadrante sudeste ficava o banhadinho que era um espaço bastante úmido, mas gramado, no nordeste ficava o potreiro, um espaço gramado com aclive ao norte razoavelmente acentuado, no noroeste ficava o matinho da fonte, hoje é a fonte que abastece a Vila Trentin, indo ao norte costeando o matinho ficava a trilha que ia para a nossa casa, uns trezentos metros de distância. A uns cinquenta metros lomba acima tinha a trilha que entrava no mato e ia para a fonte. Do poço do lavador até a fonte dava uns trinta metros, formando um triangulo de trilha, mas a trilha não era muito usada.
A mãe terminara de lavar as roupas, o Leonildo brincava no banhadinho, enquanto o sol se punha. Era preciso apressar o passo para fazer a janta e as lidas do fim do dia antes que o Lino chegasse do trabalho.
– Leonildo! Vamos para casa! – chamou a mãe já com as roupas torcidas na bacia e pronta para atravessar a pinguela em direção ao rancho.
O guri veio correndo atravessou a pinguela e se postou do lado da mãe. A mãe pegou a bacia de roupa e se dirigiu para a pinguela quando o pequeno infante de então três anos e pouco anunciou categórico:
– Eu quero colo.
A mãe tentou argumentar que não havia condições de levar a bacia e ele no colo, nem falou de sua condição de grávida, porque ele não iria entender mesmo. O impasse estava criado o guri queria colo e a mãe não tinha condições de dar. Nenhuma argumentação foi capaz de demover o garoto, enquanto isso o sol se punha e começava a escurecer… A mãe foi para casa com a bacia de roupas e o pirralho ficou chorando do outro lado do arroio.
Chagando em casa preocupada com o caçula, tomou uma daquelas decisões que as mães sabem tomar muito bem, o Leo tinha condições de trazer o Leonildo nas costas se ele não quisesse caminhar, o Liceo, eu, levaria o balde para buscar água na fonte assim não ficava perigoso, pois escurecia rapidamente.
O Leo, consciente de sua responsabilidade foi reto ao poço do lavador para buscar o irmão caçula, eu tomei a trilha da fonte para encher o balde, depois o Leo me ajudaria como de costume a levar para casa. Para encher o balde tinha uma caneca, a gente pegava água na fonte, subia o barranco e depositava no balde, isso tinha que ser feito umas oito vezes para encher.
O lusco fusco do entardecer dava um arrepio, ainda mais dentro do mato, qualquer vulto ou som parecia maior e mais assustador. Os outros dois estavam fora do mato onde ainda estava bastante claro.
– Leonildo! Eu te levo de macaquinho. Já esta ficando noite…
– Nãaããõ! Eu quero o colo da mãe…
– Eu te levo no colo!
– Não!
– Eu vou te deixar aqui.
– Não!
Não importava a pergunta ou proposição, a resposta era sempre não, sonoro e chorado…
Neste meio tempo eu já enchera o balde e esperava o Leo para me ajudar a levá-lo para casa, mas só ouvia aquele diálogo infrutífero. Já com muito medo, e sem forças para levar o balde sozinho, resolvi ir em direção aos dois para chamar o meu ajudante. Como a trilha da fonte ao lavador era pouco usada tinha galhos e taquaras secas que começaram a quebrar na medida em que eu avançava. O barulho das taquaras quebradas deve ter despertado algum temor nos dois que o Leo pediu para o Leonildo parar de chorar e ele parou, fez-se um silêncio assustador. Nisso dei mais alguns passos para chamar o Leo para me ajudar. Foi então que ouvi o seguinte:
– Leonildo escuta! Falou o Leo, e ao ouvir o estalar das taquaras quebradas e continuou… ssss… Nisso eu gritei por eles, e o Leo arrematou:
– Leonildo escuta! Eu acho que é o diabinho…
Em seguida vi o vulto dos dois a toda a velocidade lomba acima como se disputassem uma corrida de cem metros rasos. Não tive outra escolha, alguns minutos depois cheguei, de língua de fora, arrastando o balde sozinho. Os dois ainda resfolegavam de língua de fora em função da corrida.
Outras histórias envolvendo o tal diabinho, acho que é o Leonildo que deve conta-las.
Algum tempo depois a tia Eulália ficou uns meses lá em casa para ajudar, mas isto é outra história.