*Antônio

Antônio Piovesan.

Antônio nasceu em 19 de maio de 1899 sobre o lote N°141, na Linha Rigon do Soturno, hoje município de Nova Palma. Sendo o terceiro filho de Giovanni Marco. Foi batizado em 20 de maio de 1899, tendo como padrinhos de batismo Marguerita Girardello e José Dalla Nora.

Nova Palma inicialmente pertenceu ao município de Rio Pardo, depois a Cachoeira do Sul, São Martinho e ainda a Vila Rica, hoje Júlio de Castilhos, como seu 5º distrito. Seu desenvolvimento foi a partir da Quarta Colônia Imperial de Colonização Italiana, a partir de 1882, quando se formaram vários núcleos interioranos próximos a Silveira Martins.

Dentre estes lugares, foi criado o Barracão, nome oriundo da construção do rústico barraco, que abrigava os agrimensores e também os primeiros colonizadores. Em 1960 foi emancipada e se tornou o município de Nova Palma.

– Se contava que o pai era muito esperto – relata a tia Thereza. – Frequentou a escola por dois meses na sua infância de nove anos a escola municipal da Sede Distrital, dirigida pelo professor Ângelo Didonet, na cidade de Nova Palma.

– Se a professora não o passasse de lição, rasgava a página do livro, para não ter de onde repetir. Mesmo assim aprendeu a ler e escrever.

– Ele sempre contava de uma história acontecida quando estudava em Nova Palma – continua a tia, – um fato engraçado: Era hora do recreio e como de costume os meninos gostavam de brincar de pegar, um dos colegas estava todo “endafara” (sem tradução) concentrado comendo uma baita batata doce que trouxera de merenda. Antônio dizia que estava correndo perseguido por um colega que vinha a toda atrás dele. Ele virava para trás cuidando o colega para não ser alcançado e ao mesmo tempo corria com muita velocidade. Nesta corrida ele esbarrou com toda força no tal comilão da batata: Agora ele pensou terei dois a me perseguir, então dobrou a velocidade mais adiante se virou para trás para verificar a distância de seus perseguidores, qual foi sua surpresa que viu o colega agachado tentando recolher os pedaços em que a batata ficara espatifada e logo após continuava degustando sua preciosa merenda como se nada mais importasse e Antônio a salvo dos perseguidores ficou olhando meio sem jeito…

Como toda criança Antônio na sua infância apreciava juntamente com seus irmãos e amigos algumas brincadeiras que se os inspiravam no cotidiano deles e o que viam da natureza. Dentre essa brincadeira que gostavam podemos destacar uma: A de imitar macaco. Faziam o barulho e o ronco dos bugios, tiram as roupas e subiam nas árvores e preparavam seus intestinos para ter combustível necessário para algum desavisado que ousassem passar pelo caminho e poderiam servir de alvo …

Alfaiates mirins

Outra história triste, mas cômica também, aconteceu quando Giovanni Marco viúvo de Roza, se viu sozinho com oito crianças menores de 12 anos e muito criativas e com muito tempo disponível. Numa ocasião seu pai havia comprado uma peça de bombazina (algodão) para fazer lençóis, com muita dificuldade, pois eram pobres. Um dia, na ausência do chefe da família que havia ido à missa, eles encontraram este tecido e tiveram uma brilhante ideia. Repartiram na quantidade de oito pedaços para fazer um pala cada um, inspirados nos tropeiros daquela época.

Quando o pai chegou encontrou-os montados em uma taquara fazendo de cavalos e com seus palas correndo potreiro a fora, feitos gaúchos como numa gineteada felizes da vida, nem percebendo o estrago que haviam feito…

Algum tempo mais tarde a história ganhou nova interpretação e depois uma nova versão:

Uma procissão doméstica

Conversando com a tia Thereza ouvi que o fato não se deveu unicamente a um capricho da gurizada, mas a uma decorrência lógica da educação religiosa que eles tiveram. Cresceram vendo e admirando o pai cantar nas grandes procissões do Santíssimo Sacramento que se realizavam mensalmente. A beleza do canto se somava ao desfile das Filhas de Maria, todas vestidas de branco, os coroinhas também de branco e o padre com aquela casula branca ricamente bordada, aquilo que era lindo!

Sonhando com uma procissão destas, o grupo resolveu se paramentar para fazer uma em casa. A única roupa branca que encontraram disponível foi o algodão de fazer lençóis, e foi o que fizeram. Não tinha grandes bordados, mas pelo menos refletia aquele ar angelical que o branco inspira.

Cortaram a peça de algodão em pedaços, fizeram um furo no meio de cada uma e se paramentaram para a procissão. Cruz! Precisavam de uma cruz que foi feita de taquara e lá se foram para o espaço livre que tinham para fazer a procissão, o potreiro. Ao ver aquela procissão a “mussa vechia” (mula velha) se espantou e saiu em disparada. Daí surgiu a ideia de montarem a cavalo de taquaras e seguir a brincadeira, uma procissão a cavalo.

Mas como o sonho é livre e transforma as vidas e dá novas leituras aos fatos a história evoluiu até a versão do Lino.

Como espertar a mula

Já começava a fazer parte da rotina das crianças pegar a “mussa vechia” (mula que mal se mexia de velha) encilhar e, engarupados, o José, o Ângelo o Antônio e ir para a escola, neste ano ia começar o Valentin, não é que ficasse muito longe, mas a cavalo facilitava muito. A mula era muito mansa e segura para as crianças, isto deixava o pai, Giovanni, seguro e tranquilo. Viúvo e com os oito filhos para criar, com certeza não tinha uma vida nada fácil, inda bem que não precisava se preocupar com o transporte escolar enquanto a mula dava conta do recado.

No entanto esta não era a opinião das crianças acostumadas a ver os fazendeiros de Júlio de Castilhos com cavalos fogosos e, com certeza muito mais velozes. Cavalos lindos que passavam com seus ginetes montados, com o impecável pala branco esvoaçando ao vento, uns marchando outros troteando, e com certeza num galope poderiam desenvolver uma velocidade emocionante para o cavaleiro.

Isso ia muito além dos sonhos daquelas crianças que somente tinham a mula, que mal se mexia para irem para a aula. Mas tudo isso ia mudar em breve.

Muito religioso e ciente de seus compromissos com o coral, Giovanni não podia faltar à missa dominical na Matriz da Santíssima Trindade.

Ainda bem que os filhos maiores poderiam cuidar dos pequenos para dar um pouco de liberdade ao pai, agora pai e mãe daquelas nove criaturinhas. Oito em casa, pois o Benjamin, ainda bebê, estava com a família do Constante Prendin, que não tinha filhos. Assim o pai podia cumprir suas funções religiosas no domingo pela manhã com tranquilidade, enquanto os anjinhos ficavam em casa.

O domingo seria igual a tantos outros, mais uma vez as crianças contemplavam maravilhadas o desfile dos fazendeiros com seus cavalos fogosos indo para a missa, com seus impecáveis palas brancos. Os três mais velhos, e responsáveis se perguntavam qual o segredo para ter cavalos como estes? Porque a nossa mula não saltita e marcha como eles?

Enquanto uns se concentravam nos cavalos o Antônio teve uma ideia e dela uma conclusão: – Não são os cavalos que são diferentes, o que os torna lindos e ligeiros, é o pala que os fazendeiros usam, logo se tivermos palas brancos como os deles a nossa mula vai se aligeirar e ficar como os cavalos deles.

O próximo passo então passou a ser a confecção dos palas, para isso precisavam um tecido branco, de seda seria o ideal, mas na família do Giovani, pobre como era nem pensar em seda, no máximo um algodão de fazer lençóis. E não é que tinha em casa uma peça de bombazina comprada com muito sacrifício, é claro.

O próximo passo era fazer os palas, mas como é que é feito um pala? Um pano com duas alturas do cavaleiro e com um furo no meio para passar a cabeça, parece muito simples, basta ter uma peça de bombazina, e uma tesoura. Então mãos à obra.

Primeiro se espicha no chão o algodão, aí um piá se deita em cima deixando os pés de fora, corta-se um furo para a cabeça e se dobra de volta por cima do modelo, e se corta a outra ponta de forma que fique do mesmo comprimento da primeira, está feito o primeiro pala. Agora é só repetir a cena até todos os oito estarem devidamente pilchados, até o Augustinho, a Maria, o Guido e o Francisco.

Eles ainda não precisavam porque não iam para a escola, mas como a confecção foi feita em série, não custava nada fazer os deles também.

Todos devidamente vestidos como fazendeiros, chegou a hora de testar a solução, com a corda se dirigiram ao potreiro para pegar a mula para encilhar. Nem bem viu aquele grupo a “mussa vechia” se pôs a correr, as crianças, é claro, foram atrás, e começou uma interminável corrida pelo potreiro.

A turminha simplesmente não conseguiu pegar a mula, estava provada a teoria que o que fazia o cavalo ficar esperto era o “pala branco”. E foi assim quase a manhã toda até que o patriarca retornou da missa e encontrou a cena…

Os meninos cansados desistiram de pegar a mula e partiram para cavalos de taquara. Agora todos caracterizados de fazendeiros correndo pelo potreiro. Os lençóis foram feitos com muitas emendas. E a mula voltou ao seu passo tranquilo. Quanto aos anjinhos não sei o que aconteceu, mas certamente continuaram a ter ideias brilhantes.

Acima tivemos o primeiro exemplo de que a história é contada a partir da visão do historiador. Um mesmo fato gera várias interpretações. Isso não invalida o fato apenas agrega outros elementos do dia a dia ou relacionados.

Apesar dos parcos recursos da família sempre tiveram bastante espaço para exercitar a infância e viver intensamente cada momento. A educação e o conhecimento que iam acumulando na família se complementavam com a catequese e com a escola.

Desde bem pequenos foram aprendendo, no trabalho com o pai, as artes da agricultura, as tarefas da casa e as responsabilidades que assumiriam quando adultos. A vida social e a religião, que na época se fundiam na atividade dominical, colaboravam na formação da cidadania e ajudaram a esculpir o caráter responsável e brincalhão característicos da família. Este aspecto particular do comportamento da gurizada é muito bem traduzido no episódio que envolveu os três mais velhos em sua ida à catequese.

A mula que queria rezar.

A partir de uma interpretação do tio Lino. (Procuraremos, tanto a Silvia como eu e outros primos, a chamar nossos pais de tio Lino e tio Abel, fica mais universal)

Não sei se o número três é mágico, mas tem a ver com as aventuras ligadas a catequese na família. Foi lá pelo ano de 1909 (três vezes três), os três filhos mais velhos do Giovanni Marco já estavam na idade de frequentar a catequese, nesta época já moravam na costa do Portela no caminho de Linha Base. A moradia ficava uns três quilômetros da matriz, uma distância um pouco grande para ser percorrida a pé pelas crianças, daí a opção de ir a cavalo, ou melhor a mula. A “mussa vechia” era o meio de transporte dos irmãos, Beppi, Ângelo e Toni. Logo após o meio dia os três montavam a “mussa” e rumavam para a igreja para as aulas de catequese.

A “mula velha” era um animal extremamente pacífico e tranquilo, cobria o trajeto em aproximadamente quarenta minutos, ou seja, um pouco mais devagar do que um adulto anda a pé. A viagem era muito tranquila e permitia a contemplação da natureza no decorrer da mesma.

Depois de ir e vir muitas vezes, o caminho já decorado, começava a perder a graça e a catequese, bem a catequese era uma obrigação, um compromisso, e apesar da educação religiosa e rigorosa, às vezes batia aquela vontade travessa de fazer algo diferente aos domingos à tarde. Achar uma desculpa plausível e razoável para faltar a catequese passou a ser uma tarefa dos meninos.

Não demorou muito, na observação do comportamento da mula eles descobriram que ela não gostava de ser contrariada, como por exemplo, ser acelerada, qualquer forma de instigação para que andasse mais de pressa ela fazia o contrário, parava. Empacava, e a partir disso não se mexia mais e se batessem nela, baixava a cabeça, se ajoelhava com as patas da frente e derrubava a gurizada no chão.

O método, para matar a catequese, passou a ser: apertar os calcanhares na barriga dela para que ela parrasse e a partir daí continuar tentando fazer ela andar até que ela decidisse derrubar o grupo, preferencialmente num lugar com barro. Sujos, não tinham outra roupa para vestir, aí não poderiam ir para a catequese, culpa da mula que tinha a mania de se ajoelhar.

Na sua adolescência, Antônio, treinou no exército em Nova Palma, na comunidade e Linha Sete os chamados tiro de guerra, já na segunda turma. Subiu a cavalo junto com os companheiros pela linha cinco ficou três dias indo pousar na casa de Ernesto Grassi. Em 17 de julho de 1919, foi entregue a carteira de reservista a Antônio com a seguinte anotação: tiro de Guerra número 397 aos 17/07/1919 submete-se a exame de reservista (Escola de Soldado) foi aprovado com grau dois, depois de feito prestar juramento a Bandeira conferiu-se a presente caderneta.

O canto na Família foi iniciado com seu pai Giovanni, que fez um curso na casa dos Buzanello, com o Pe. Valter de “Geringonsa”, hoje Novo Treviso. Lá aprendeu solfejo, a arte de cantar os sons a partir das notas musicais, lendo as notas musicais com seu valor e sua altura (afinação exata), cantando a música a partir de partitura. Mais tarde fez questão de ensinar esta arte a seus filhos.

Antônio gostava de sentar-se na ponta da mesa da sala com suas partituras de música de igreja, folclóricas, ou italianas e ficar lendo ou assobiando e batendo com o pé o compasso, o que mais tarde deu origem além de sua maestria a sua participação da banda que foi formada no ano de, 1921 foi inaugurada em Nova Palma a banda municipal, trazida pelo Pe. João Zanella.

Mais tarde tornou-se regente do coro da Igreja por longos anos, distinguindo-se por belíssimo baixo, que encantava os ouvintes de canto litúrgico quanto profano.

 

Sabe-se que na Igreja católica antigamente as datas religiosas eram mais comemoradas e numa delas Antônio, conheceu Elisabeth, que se tornou sua esposa. Numa procissão do Santíssimo, que acontecia todo 3° domingo do mês, onde Elizabete, Filha de Maria, carregava o estandarte com um vestido branco. Quando ela entrou na Igreja Antônio, observando que ela se ajoelhava e rezava, achou-a muito devota e também muito bonita e pensou “esta é a moça com quem eu gostaria de casar.”

Foto oficial de casamento

Casou-se em dois de setembro de 1922, com Elizabeth Zanon, ficou morando na residência de seu pai Giovanni por quase dois anos e posteriormente mudou-se para terras que comprou. Tiveram 11 filhos. O primeiro nasceu morto como relata a tia Thereza;

– “Relembrando o que Antônio e Elizabeth contavam de suas vidas. Moravam na casa do Giovanni, onde após mais ou menos um ano, aguardavam ansiosos o nascimento do primogênito. Porém a Dona “Isa”, tendo de recolher lenha na roça, para o forno de pão e cozinha tropeçou e caiu batendo numa grande pedra. Poucos dias após, com dificuldades, nascia o esperado neto – que tristeza! Estava morto.

Diz que o avô, Nôno Piovesan, tia Cecília e tio Angelim, que também moravam juntos choraram muito. Imagino Antônio e Elizabeth! Mas a fé e a juventude foram à alavanca, pra prosseguir”.

Mais tarde, vieram o Achiles, Pio, Lino, Ignez, Abel, Thereza, Ana (viveu um dia apenas), Eulália, Maria e Odila.

Casa nova

Em 19 de maio de 1924 transferiu residência para as terras de várzea, que alugou e posteriormente comprou de Giacintho Ravanello, na Linha Bom Retiro (chamado assim desde a Revolução de 1893), pagando por elas 14.000 mil réis. Antônio comprou estas terras graças aos empréstimos de dinheiro de vizinhos e amigos, levando 14 anos para pagar todos àqueles que lhe emprestaram. Além disso, teve que vender uma parte de suas terras para sua madrinha Marguerita Dalla Nora para quitar com um dos que haviam lhe emprestado o dinheiro para comprar a terra e não quis dar um maior prazo.

Aos 08 de agosto de 1924, nasceu o Achiles. Aos 25 de março de 1926, nasceu o Pio. Em 19 de maio de 1928, nasce o Lino. Aos 29 de junho de 1930, nasce a Ignez. Em 21 de setembro de 1932, nasce o Abel. Um pouco da história de cada um serão contadas nos capítulos correspondentes

Num diálogo com a tia Thereza Piovesan e a tia Odila Piovesan Santos ouvimos mais histórias.

– Eu ainda não tinha nascido – conta a tia Thereza – O pai era pessoa que pensava e sabia fazer as reflexões e conclusões. Certa vez, um grande vendaval e chuva destruíram as lavouras de milho e feijão (1933). Desolado foi pedir conselho ao Sr. Atílio Aléssio, homem sensato de poucas palavras. Após ter desabafado a aflição de ver a roça perdida, e como iria alimentar a família e ir pagando as dívidas, o seu Atílio, após momentos de reflexão e querendo ajudá-lo disse: “ringraccia al Signore” (agradeça ao Senhor). – Mas como? O que eu vou dar comer aos filhos pequenos? E ele pacientemente repetiu: “Ringraccia al Signore”. Meio desconcertado se despediu, e voltava para casa tentando entender esta Palavra. Concluiu que efetivamente precisava agradecer a Deus. Só as plantações foram danificadas, mas os filhos e mamãe e ele estavam vivos e com saúde. – “Aos pequenos é dado compreender” – conclui Thereza.

Em 09 de novembro de 1934, nasce a Thereza. Depois teve uma gravidez da Ana que sobreviveu só um dia. Eulália Piovesan nasceu em 03 de dezembro de 1938. Maria Piovesan nasceu em 24 de maio de 1941. Em 06 de novembro de 1946 nascia Odila Lurdes Piovesan. Suas histórias estarão a seguir.

Os dons artísticos na família são característicos. Odila perguntava a seu pai como era ler as notas musicais? E ele respondia: “E fácil, é como tu ler as letras num livro”.

– Eu não entendia como algo tão complicado poderia ser tão fácil – dizia a tia Odila. – Ele pegava uma partitura, e ia assobiando as notas. Quando cantava na igreja, ele não dizia uma só palavra, mas só cantava solfejando, isto é, cantando as notas. A gente achava engraçado…

– Amigo e jovial era especialmente hospitaleiro com os de fora e vizinhos e passantes – conta a tia Thereza. – Sempre acolhia com bom copo de vinho, e um dedo de prosa. Conosco, os filhos, era atencioso, mas (penso que culturalmente lhe foi ensinado) pouco falava e quando o fazia era uma forma de conselho e admoestação. Lembro que dizia: “Se pedisse algo emprestado, se achássemos alguma coisa na estrada ou na escola ou igreja, não nos pertencia e era para procurar o dono e devolver. Assim também se fossemos trabalhar para alguém, não era para perder tempo e cuidar zelando do que fazíamos e não estragar o que é alheio”.

Papai era muito versátil, esperto, amigo comunicador e muito humorista. Sabia dar um toque gracioso nos “causos” ou mesmo nos fatos reais Era sempre gostoso escutar as histórias das caçadas e pescarias. Fazia os “ouvintes” entrarem no enredo e caçar ou pescar juntos.

– Cantava também algumas Missas em latim – como conta a tia Odila. – Isso para os dias de festa dos padroeiros e outros como Natal e Páscoa. Lembro que numa Missa de Páscoa, aquelas que eram celebradas à meia-noite, onde se cantava o Sanctus seguido do Benedictus antes da consagração. Algumas vezes, conforme a pessoa que dirigia o coro, o Benedictus era cantado depois da consagração.

Houve uma ocasião em que o pai que cantava a voz de baixo tinha um solo no Benedictus. Naquela missa era para ser cantado depois. Um pouco por distração, um pouco até por sono, o pai, terminando o Sanctus, começou com toda a força dos pulmões; Be… de Benedictus… Aí viu que tinha dado um fora, parou. Nem precisa dizer que aquilo virou piada; rindo da própria distração ele dizia que o Cordeiro (pascal) havia berrado antes da hora…

E a tia Thereza continua…

– Possuía uma incomparável voz (baixo) e quando podia nos ensinar também a cantar e solfejar “bisognha imparare saver le note musicale” (precisa aprender a ler as notas musicais). Quando, mais crescidos aos manos ele nos ensinava à noite, após “dire la corona” (rezar o terço), a cantar a vozes… – Tempo inesquecível à luz de lamparina de querosene (lume ou chiari) o Pio e a Ignez tinham 1ª voz, o Abel, Lino e Thereza 2ª voz, e mamãe também, que melodiosa a voz de mamãe! O Achiles fazia o baixo e o pai o contrabaixo.

Recordo que ele falava também de “Da fargue el barítono” (cantar entre o tenor e o baixo) … e nós crescemos e as vozes da Eulália e Maria 2ª voz e a Odila 1ª voz, enfeitavam as nossas noites… Quando se reuniam os homens cantores: Albino Gardim, Aurélio Bertoldo, Afonso e Albino Vestena, Guido Rossato, Casemiro Bertoldo, Angelim e Guido Grotto, Atílio e Aurélio Zanon, Amadeu e Jose Zanon, Celeste Pelegrim e começavam a cantar e tomar vinho (quando tinha), o mundo, a vida, o ambiente eram de paz, alegria, união… uma festa!

Houve uma época (1950) — continua a tia Odila – em que veio a Nova Palma um padre para ser coadjutor (ajudante) do Padre Luiz. Era o padre Afonso Correa. O homem era músico e começou a querer organizar um coral na igreja. Só que ele era bom no assunto, tinha um repertório razoável, e começou a “puxar” pelo pessoal. Nós; Pai, Abel, Thereza, Eulália, Maria e eu – o Pio já morava em Nova Palma – nunca faltávamos a um ensaio o pai comprou até uma égua, a Zaina, para ir.

Ele tinha dificuldade de andar à noite. A Zaina era um animal muito especial. Mansa, com pelo da cor de pinhão, e onde a gente largasse as rédeas no chão, ela parava. Era a grande virtude dela. Também só comia sal. Ela era a montaria do pai.

– Mas voltando aos ensaios, eles eram à noite, uma ou duas vezes por semana. Num desses ensaios, o padre falou que tinha um desejo de ensinar um “Tantum Ergo” que era particularmente difícil. O pai já se sentiu curioso e provocado a apreendê-lo. O padre falou acho que não vão conseguir. Aí o pai fez uma aposta com o padre: – Jogo uma rapadura com o senhor que a gente aprende… Devia ser época de açúcar… Aquele de cana… Não precisa nem dizer que a tal música depois de muito ensaio saiu. Bonita por sinal e ficou conhecida como o Tantum Ergo da rapadura.

Em 1952, o conjunto musical da família

– A nossa alegria como crianças eram as reuniões familiares. Digo familiares, não só em família, mas especialmente com os vizinhos e amigos. Eram reuniões para jogar baralho, para fazer cantorias, para pescar cascudo de noite, para comer melancias quando a colheita fosse abundante, para comer batata doce cozida no forno a lenha, para comer amendoim torrado, pé de moleque, cuca, vinho doce, comemorar aniversários geralmente do chefe de família ou de algum jovem, mas com farras, brincadeiras e “surpresas” …

Tudo era motivo de alegria. Uma dessas oportunidades de estar juntos eram os dias de colheita de uva. Os grandes trabalhavam colhendo, colocando os cestos e caixas com uva nos carrinhos e transportando para a cantina. Nós crianças tínhamos a tarefa que eu pessoalmente não gostava muito: juntar os grãos que caiam dos cachos. Pegávamos canecas e enchíamos com os grãos. A uva “sampanha” (uva branca de casca dura especial para fazer espumante) era muito fácil de debulhar, então a gente tinha que juntar os grãos no chão.

O bom era quando nos chamavam para pisar a uva na tina. Acho que fiz isso uma ou duas vezes. Primeiro a gente lavava os pés no rio, depois lavava num balde de madeira e entrava na tina cheia de uva. O trabalho era feito cantando, dançando, fazendo ritmo, e dando muita risada! – Finalizou a tia Odila.

– Outra qualidade de Antônio – lembrou a tia Thereza – era o amor pela leitura legado que passou para todos seus filhos, era um assíduo leitor do jornal “Stafeta Riograndense” – hoje Correio Riograndense, e também outros livretos e revistas, livro de como plantar parreiras que guardava sempre na “cucheta” (cabeceira da cama), história sagrada e almanaque.

Ao voltar da missa, quando chegava da missa aos domingos com “i dolci in scarcela” (os doces no bolso). Sentava nos degraus da porta da sala e nos lhe tirávamos as botas “cavar i stivai” e ele lia o jornal, enquanto mamãe preparava o “brodo” (caldo) de galinha para a sopa com pão e “formagio gratá” (queijo ralado). Aprendeu também a fazer contas. Creio que se fez autodidata na criatividade e na necessidade de sobrevivência. Fazia com capricho: pipas, engenhos de moer cana, cangas para bois, moveis e casas. A cama de casal dele (02/09/1922) ele mesmo a fez, e depois de 90 anos, ainda existe e está em uso com a tia Odila e o Fernando.

 

– A casa do Nôno Antônio e Nôna Elizabete – como conta a Maristela Piovesan – Situada às margens do Rio Soturno, era uma construção de madeira de angico, separada em duas construções, uma delas eram os quartos sendo em número de quatro, separados por um corredor e na frente uma varanda que nos chamávamos de “portego”, com madeira toda trabalhada feita por Antônio, e no final do corredor tinha uma porta para varrer a casa.

Thereza com sobrinhos tendo ao fundo o “portego” ricamente entalhado da casa.

– Na minha primeira visita à casa do Nôno, – complementa o Liceo – que foi por ocasião da primeira missa solene do padre Reinaldo, o tio Achiles e eu ficamos hospedados na casa do Nôno. Para mim quase tudo era normal exceto pela porta dos fundos sem escada, eu não conseguia entender porque alguém faz uma porta e não põe escada. Na época o meu espírito jornalístico ainda não estava presente, ou seja, eu era muito tímido para perguntar, e a dúvida ficou até eu ler o texto da Maristela, a porta era para varrer para fora a sujeira da casa.

Era uma construção alta, e embaixo tinha um porão onde Antônio armazenava suas pipas de vinho e algumas com trigo dentro e com areia por cima. Neste local também se guardava salame e queijo, por ser um lugar mais fresco.

A outra construção funcionava a cozinha e uma sala. A cozinha era com piso de laje. Tinha uma mesa pequena pregada por um lado na parede e no outro lado tinha dois pés onde faziam as massas (taiadelle) e o pão. Era coberta de telha canoa sem foro.

Na frente da cozinha tinha uma calçada e no fim da calçada o poço.

No meio da cozinha existia um fogão (fogolaro) feito de tijolo e chapa. As telhas eram pretas, devido a fumaça do fogão. Também tinha uma taquara (stanga) onde eram pendurados o salame (socoí) e o toucinho (lardo) para temperar feijão e radicchio. A esquerda do fogão tinha uma caixa de madeira pregada na parede onde se colocava ovos, acima tinha um enorme porongo com um buraco no meio onde guardava a erva para o chimarrão. Na outra parede tinha uma caixa onde guardava o pão.

Também na cozinha tinha duas caixas de madeira, uma guardava farinha de trigo e a outra de milho, que quando fechadas serviam para as filhas namorarem. Os mantimentos eram guardados na “cardença” que era um tipo de armário para guardar mantimentos.

Mais atrás tinha um tipo de pia de madeira (secchiaro), que se colocava uma bacia de madeira (gamela) para lavar a louça. E no lado tinha uma prateleira para empilhar os pratos e pregos para pendurar as xícaras e canecos.

Cantoria na sala da casa

A sala também tinha um assoalho de madeira de angico, o mobiliário consistia de algumas cadeiras e uma mesa grande com um banco, nesta sala se almoçava e se jantava sempre. Num dos cantos da sala, tinha um oratório com as imagens do Sagrado Coração de Jesus e Maria, onde Elizabete todos os sábados arrumava os guardanapos e colocava flores colhidas do jardim que ela cultivava. E um enfeite no lado que servia para pendurar os terços.

A sala ainda contava com uma prateleira onde eram guardados os livros. Ali existia um relógio e tinha ganchos onde eram pendurados os dois violões e o violino. E na parede tinha quadros dos familiares.

No ano de 1926 foi construída a quarta pinguela, sobre o Rio Soturno, construída com o mutirão da comunidade no passo do Dalla Nora, onde antes a travessia era feita por barco-balsa, facilitando assim o acesso à cidade.

– Anos mais tarde, falando em enchente, – a tia Odila relembra. – Lembro-me de uma bem grande: a água vinha subindo “aos tombos” como a gente dizia, então nós ficávamos marcando nas pedras ou tocos da margem a rapidez e o processo da cheia e também quando a água parava de subir. Nessa ocasião, a bicharada ia fugindo da água e buscando lugares mais altos e secos.

Havia perto das taquareiras um tipo vale e do outro lado uma elevada. Pois não é que a água começou a descer e encher por aquela baixada, formando uma correnteza medonha. Os bichos: porcos, galinhas, cabritos, vacas, foram se refugiando naquele terreno mais elevado, que a essas alturas formava uma ilha. Pois bem, lá se foram os homens, se não me engano o Aquiles, o Pio, o Abel a buscar os tais bichos. Jogavam-se na água, enfrentando a correnteza e procuravam trazer o que podiam. Lembro que a Maria também ajudava. Ela era bem fortona e corajosa. A bicharada era um gritedo só: vaca mugindo, cabrito e porcos gritando, galinhas voando, imaginem só. E os manos corajosos indo e voltando com as cargas.

Os bichos fugiam, era um alvoroço. Só lembro que quando a água já estava bem alta, eles que usavam troncos como passagem, usaram uma “tranqueira”, isto é, umas arvores caídas, com galhos, cipós tudo junto, e vieram fazendo daquilo tudo uma ponte. Mas foi por pouco: estavam chegando, e foi um, barulhão, tudo veio vindo água abaixo, empurrado pela força das águas. Alguns animais não conseguiram ser salvos, e então passaram uns dias na “ilhazinha” sendo alimentados por espigas “voadoras” que eram jogadas para eles. Isso até as águas baixarem.

– O Toni aprendeu a arte de trabalhar com madeira – lembra seu Aurélio Bertoldo, já com 91 anos – fabricava casas, galpões, baldes e principalmente pipas e engenhos com seu pai Giovanni Marco e com seu primo José Piovesan o “Bepitti”, que também tinha habilidade com madeira e residia no Rincão de Santo Antônio. Também trabalhavam com o Constante Prendin, que tinha uma oficina de móveis localizada onde hoje reside Orlando Piovesan, e cortava “dogue” (friso) para encaixar o fundo da pipa. Estas práticas artesanais com madeira lhe renderam o apelido popular de “Toni Torchio”. Os trabalhos que ele fazia eram muito bem feitos, muito bem acabado na casa de meu filho ainda existe um Torchio (moenda de rolos para cana) feito por ele.

A Revolução de 1930 foi o movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com o golpe de Estado, o Golpe de 1930, que depôs o presidente da república Washington Luís em 24 de outubro de 1930, impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes e pôs fim à República Velha, tomando posse Getúlio Vargas.

Então em 09 e outubro de 1930 vem a nova ordem para que se apresentem todas as classes do tiro de guerra número 397, de 1917 a 1935, para que fossem até Júlio de Castilhos se incorporarem a tropa, Antônio então se reuniu, em Júlio Castilhos com seus companheiros, subindo a cavalo até a cidade. Então Getúlio Vargas, que estava passando de trem vindo de São Borja e vendo todos aqueles agricultores mandou-os embora dizendo: “Colonos e Italianos, vão plantar batatas. Se este ano vamos ter dificuldades por causa da guerra, o ano que vem vamos ter dificuldades por causa da falta de comida”. Tinha como filhos Achiles, Pio, Lino e Ignez na época era bebê.

– Quero falar algo a respeito do trabalho – diz a tia Odila. – O pai era carpinteiro e a mãe trabalhava na roça. E como trabalhava. Ela era sempre a mais ligeira na enxada, e quando a gente capinava ia ajudando a adiantar a fileira onde a gente estava. Já o pai, quando preparava as lavouras de milho, por exemplo, os que ficavam mais perto da estrada, ele esticava um cordão que servia de baliza e ia plantando as sementes naquela fileira de maneira que ficava tudo bem retinho. Os vizinhos até comentavam o capricho dele. No seu trabalho de carpinteiro ele fazia desde casas de madeira até pipas, baldes, e se tornou conhecido como fazedor de engenhos para moer cana. Disso lhe veio até o apelido de “Toni Torchio”.

As casas

As primeiras casas que construiu no Bom Retiro – contou o tio Pio em 16/10/2011, em depoimento dado à tia Odila – foi a de João Afonso Vestena e Joaquim Binotto. Além desta construiu a casa de seu cunhado José Zanon, com a ajuda de seu Irmão Valentim e seu primo Bepitti, recebendo na época três Fiorini (eles chamavam de Fiorini os mil réis) pelo serviço. Mais tarde quando estava construindo um galpão na casa de Guerino Rossato, caiu e fraturou todas as costelas, ficando internado por 28 dias no hospital.

– O Pio ainda morava com o pai – complementa a Odila – foi fazer um galpão no Guerino Rossato seu amigo e compadre. A construção ficava nos fundos da casa. Os esteios foram colocados com requadros para colocar o assoalho em cima. Os construtores eram o Toni e seu filho Pio. A construção era uma reforma com caibros, madeira já velha. O Antônio pregava um dos últimos barrotes a uma altura de quatro metros do chão. Nisso a ponta quebrou e ele caiu com os braços abertos em cima de um barrote do alicerce: Primeiro de frente e depois com a força do impacto tombou para trás. O Pio que estava o seu lado veio correndo por cima dos caibros e desceu a escada e agarrou o Pai que gritava de dor. Aí a Dona Ângela chegou apavorada e o Pio pediu instintivamente para trazer chá com mate com cachaça. Nisso chega Guerino que foi a toda pressa, montado num cavalo em pelo, a galope buscar a camionete do Cirilo Tomazi que era a ambulância da cidade. O pai foi conduzido sentado no lado do Pio que apoiava a cabeça no seu ombro. A camionete mal se movia na estrada, pois a cada solavanco o pai apertava a mão do Pio para o motorista diminuir a velocidade, porque o pai não conseguia respirar. Também pudera, o diagnóstico foi: Todas as costelas quebradas do lado esquerdo. O Pio contava que no hospital ficaram cuidando do pai dia e noite sem dormir por três dias e três noites: a mãe, o Pio, o tio Valentim. Ao final desses três dias o pai começou a escarrar sangue, muito sangue coagulado o que foi sinal de esperança para os que assistiam.

Ficou hospitalizado por 28 dias e dizia sempre. “No sté mover-me” (não me mexam). Quando puderam trocar as roupas de trabalho por uma adequada ao hospital se depararam com quase todo o equipamento de um carpinteiro como: Pregos de caibros, lápis de carpinteiro e até o metro no bolso da calça. O martelo caíra no chão por que senão até esse viria junto.

– Em casa – fala a Odila – em 1947, quando vimos a camionete passar na estrada começamos a chorar. O Pio e a Clementina moravam lá em casa nessa época. Quando a mãe foi acompanhar o pai ao hospital nós ficamos com a Clementina “de mãe”. À noite nos reunimos no quarto deles chorando e rezando para um santinho do Vicente Palotti. A Clementina nos consolava. Que duros momentos!

– Certo dia, – conta o Luiz Zanon, 87 anos, – o tio Antônio foi fazer compras em Santa Maria foi numa época que não podia falar em italiano e o tio esqueceu, falou e foi preso, ele e José Barato. Lá na cadeia passou um homem vendendo pão e salame e eles compraram, como ficaram pouco tempo na cadeia, saíram e deixaram o pão e o salame para um rapaz alemão que foi preso por mandar uma carta para seu pai escrita em alemão. Veio embora de ônibus, e no caminho pediu para o ônibus parar e ele desceu entrou no bar e falou em Português. “Bota um aperitivo que estou com sede”.

Sempre foi uma pessoa muito religiosa, rezando o terço todas as noites após a janta e pela manhã rezava juntamente com sua família o oferecimento do dia em frente a imagem do Sagrado Coração de Jesus e Maria. Sempre antes das refeições rezavam Angelus Domini (O Anjo do Senhor), mais tarde mudou-se um pouco com o incentivo da Odila começou-se a cantar antes das refeições.

– O terço à noite relata Odila em um depoimento eram os momentos de religiosidade. – “Falando de religiosidade, um costume que era praticado diariamente era a reza do terço”. Terminada a janta, todos se ajoelhavam no assoalho da sala, com os braços apoiados no assento da cadeira. O pai na ponta da mesa, de costas para o tal do oratório, a mãe seguindo a roda, depois Eulália, Maria, eu, a Thereza ajoelhada com o corpo reto, os cotovelos apoiados sobre a mesa e o Abel na ponta da banca ajoelhado no chão. O Pai puxava, a gente respondia. A mãe sempre arrastava as palavras, com a voz cansada e anasalada. Eu olhava para a Thereza. Ela era a única que rezava com as palavras bem pronunciadas, não dormia, o olhar elevado para aqueles quadros de Jesus e Maria… O pai espiava por baixo dos encostos das cadeiras para ver se a turma rezava… Eu cuidando tudo: com uma piedade… Só lembro que dificilmente passava do terceiro mistério. Ladainha, então, era uma canção de ninar… – complementa a Odila

E continua

– Famílias muito religiosas não deixavam nunca de ir à missa dominical. Numa dessas enchentes onde a “sanga” – um braço do rio que enchia nessas ocasiões – essa sanga havia “atacado”, isto é coberto a estrada o que impedia a passagem. Os homens da casa creio que na ocasião tratava-se do pai, Pio, Abel não tiveram dúvida: tiraram toda a roupa, fizeram uma trouxa e colocaram-na sobre a cabeça e passaram a tal da sanga com água até o peito. Do outro lado, bem limpos e “frescos”, se vestiram e foram a tal Missa. Que fé hein!

Por volta de 1939, começou a dirigir o coral naquela localidade e era composto por: João Zanon, Aquiles Zanon, Pio Piovesan, Thereza Piovesan, Casemiro Bertoldo, Aurélio Zanon, Albino Gardin, Aurélio Bertoldo, Vitorino Rossato, cantando principalmente na igreja.

Sempre foi uma pessoa que incentivou a comunidade, sendo ele doador de um terreno para a construção da escola Nossa Senhora Aparecida no Bom Retiro, Nova Palma. Hoje neste mesmo local está alocado um capitel em homenagem Nossa Senhora Aparecida padroeira da comunidade. Os santos foram doados por Augusto Vestena, Feruchio Salvieri e Antônio Piovesan.

No ano de 1941 numa reunião as famílias da comunidade resolveram fazer uma escola para seus filhos estudarem e não terem que caminhar para tão longe, a comissão era composta por: Guerino Rossato, Gerolimo Canzian, José Zanon, Ângelo Girardello, Augusto Vestena, Feruchio Salvieri, Romano Bertoldo, Cândido Dalla Nora, Agostinho Rossato, Afonso Vestena, Albino Vestena e Antônio Piovesan, entre outros. Então tiraram toras e levaram na serra de Agostinho Rossato fazendo o material necessário para a construção. E construíram uma escola que poderia também ser usada como capela. Fizeram-na alta do chão e com madeira dupla para se resguardar do frio. Após a escola estar pronta então procuraram uma professora para trabalhar. Encontraram uma moça no colégio das Irmãs que se chamava Rita Rossato que era órfã. Quem a acolheu em sua casa foi Agostinho Rossato e sua esposa Doralina. Foram escolhidos por que havia mais estrutura em sua casa e o restante da comunidade ajudavam a manter a professora.

– Durante a quaresma – continua a tia Odila – se fazia a Via-Sacra na Escola, que servia de capela. O pai ia puxando as orações sempre acompanhado com três ajudantes: um com a cruz e dois com velas acesas, um de cada lado. Lá iam eles percorrendo as estações e rezando e cantando. A mãe se orgulhava do pai dizendo que ele, apesar da idade, fazia as genuflexões bem retinhas. Eita! mulher apaixonada pelo seu “Vechio”! (velho) Lembro do Alfonso Vestena que sempre ia cantando os refrões, com voz forte. Eu notava que ele sempre começava um milésimo de tempo antes dos demais, tipo puxando… A gente, como criança vai observando as coisas…

Toni chegando bêbado.

Aos domingos após a missa em Nova Palma iam ao bar de Raimundo Aléssio onde hoje este localizado Restaurante Barracon se encontrava com os amigos para tomar a sopa de mondongo. Mais tarde começaram a frequentar o bar do Hélio Rossato e tomava um aperitivo chamado três diabos que era composto por: cachaça, bitter e undenberger, chegando à casa sempre alegre.

– Quando o Nôno vinha meio alto, como ele dizia – conta a Maristela – ele parava do outro lado da pinguela e a Nôna via. Mandava uma de nós ir ajudar ele a atravessar a pinguela que sacudia. Ele dava balas pra nós e pedia pra não contar pra Nôna. Aí ele chegava em casa e ela o xingava que ouvia tudo calado.

– Outro apelido que deram pro pai era “Toni de brague fate sú” (Toni das calças arregaçada) – diz a tia Odila. Por ter uma personalidade marcante, hoje eu vejo como o pai era autentico: até demais! Ele tratava do mesmo jeito as pessoas importantes e as pessoas mais simples como os mendigos a quem se dirigia chamando de senhor. Se ele tinha que ir na subprefeitura, na época, ou no escrivão, ou onde quer que fosse, ele ia de pé no chão, e com e “brague fate sú” (calças arregaçadas até abaixo do joelho). E não tinha vergonha de ninguém, e tratava bem quem quer que viesse lá em casa. Ele já pedia “Tchó vecchia, vá torme um bule de vin” (Ò velha, vai buscar um bule de vinho). E assim ele recebia as pessoas e ficavam conversando muitas horas, geralmente à tardinha. Apesar de sua simplicidade, ou por causa dela ele tinha muitos amigos. Lembro que quando ele ficou hospitalizado por ter quebrado as costelas, os dois – o pai e a mãe – contaram nos dedos as pessoas de Nova Palma que não haviam ido visitá-lo.

Quase tudo que se dizia ou se fazia na família tinha sempre uma explicação lógica ou um complemento explicativo que passava por uma história do Pio, do Lino ou do Abel.

– Aos domingos após a reza do terço ou da via sacra, gostava de cantar com os amigos, – como conta a vizinha Ângela Marzzari Binotto, 91 anos, – para jogar bocha, cinquilho, encerrando sempre em sua casa com polenta, salame, radicchio e vinho. O Joaquim e o Antônio eram amigos e compadres uma vez até uma casa eles compraram em sociedade, mas depois resolveram vender e repartiram o dinheiro, e aos domingos jogavam cartas, bocha e tomavam um trago juntos. Então uma vez o médico disse pro Antônio que ele só podia tomar um trago quando se molhava para não se gripar, então ele se molhava de propósito para poder beber.

Certo dia Antônio foi fazer uma consulta e o médico recomendou que ele não podia beber. Daí Antônio disse, mas só um pouco, mas bem pouquinho só pra abrir o apetite. Aí o médico disse tudo bem, mas só um pouquinho. Aí ele disse e carne de porco lesa (cozida na panela) pode? O médico disse não, e Antônio, mas um pedaço bem pequenino? O médico tá bem, mas bem pequeno. E meio copinho de vinho no almoço? Não diz o médico. Mas bem pouco vinho nem meio copo não pode? Tá bem diz o médico, mas só meio copo. Antônio saiu de lá satisfeito e disse “esse que é médico bom”.

Antônio gostava muito de pescar e mais tarde com os filhos crescidos Elizabeth começou a acompanha-lo nessa divertida empreitada, um pouco para suprir as necessidades de alimentação ou mesmo por gostar.

Conforme relato de sua filha Odila: “O pai era pescador quase diário. À tardinha lá ia ele, com um banquinho tripé, linha, minhocas e uma sacolinha para trazer os peixes. Ah quase esqueci o companheiro fiel: um gato daqueles que adivinhava os pensamentos, que estava sempre a postos para ganhar um petisco, e quando o pai se arrumava para a pescaria, o gato já “se convidava” também. Numa ocasião eu pedi pro pai se ele me ensinava a pescar com linha. Claro, eu só pescava com caniço, e de dia. Quase ia me esquecendo; a pescaria era em cima da ponte. O pai, como estava dizendo, todo paciencioso, colocou a isca no anzol, jogou a linha no melhor ponto e disse para eu segurar. Aí ele me ensinou: Vai escutando, se “pinicá” (beliscar) tu presta atenção… Vai cuidando… Se o peixe corre tu dá linha, não maltrata o peixe, não maltrata… Aí quando corre mesmo, tu fisga e depois puxa com jeito…

A mãe também lá pelas tantas da vida virou pescadora. Ela ia com o pai, ou sozinha, mas na maioria das vezes os dois iam junto. Era um ritual. Lembro-me que se abrigavam bem para não serem picados pelos mosquitos. Muitas vezes iam no “bevarauro dei porqui” (bebedor dos porcos). Aí acontecia algo engraçado, no mínimo. – Para não perder a pesca, a mãe puxava os peixes com um “colpo” (golpe) e com “tutta a voia” (toda a força) para trás. Só lembro que muitas vezes, no dia seguinte, lá ia o Bernardo ou o Caco, apanhar os peixes que haviam ficado em cima das árvores.

 

Foto do casal em 1975

Antônio gostava muito de pescar e o que vamos contar agora é um fato acontecido no Rio Soturno, na comunidade do Bom Retiro onde o rio fazia a divisa de suas terras: Uma das atividades prazerosas e costumeiras da família era “tropear cascudo”. Esta atividade dependia da lua, da estação do ano como o verão, da transparência da água, e se o rio estivesse baixo. Convidavam-se os parentes como: genros, noras, netos. Preparava-se o Juquiá, que era em forma de um cone grande feito de taquara partida ao meio: os feixes de taquara seca para iluminar a pescaria; as lanças de ferro com cabo de madeira em forma de garfo de dois ou três dentes; os sacos para recolher os frutos da pescaria e muita disposição e animação. Antes de iniciar a “tropeada” era armado o juquiá; escolhia-se uma correnteza estratégica onde era feita uma taipa com próprias pedras do rio em forma de V. No centro do V firmado pelas pedras era armado o juquiá para esperar os peixes.

Os componentes da pescaria ficavam posicionados um ao lado do outro com os fogos acesos e as lanças nas mãos, quanto mais perto possível um do outro para os peixes não voltarem, durante a pescaria o comandante recomendava fazer barulho, mexer as pernas para os peixes não voltarem. Quando alguém via um peixe chamava um dos lanceiros para fisga-lo com sua lança e dela para o saco.

O ápice da pescaria era a chegada dos peixes na boca do juquiá onde os peixes começavam a pular e bater nas pernas querendo voltar, e os participantes fazendo aquela festa empurrando para dentro. Ao final os homens assumiam o comando pegando o juquiá pela boca levantando-o e levando para fora para ver o resultado da façanha. Numa destas pescarias estavam esperando perto juquiá os policiais. Não sei se era a lei ou a época era proibida para a pesca. Uma denúncia de uma pessoa provavelmente conhecida pôs fim a pescaria, os policias confiscaram tudo, facão, lança e o juquiá. Abel e Pio que estavam presente na pescaria foram intimados a acompanhar os policiais até a cidade, e dar depoimento do ocorrido levando nas costas o juquiá que ficou de pé exposto em frente da delegacia. No dia seguinte Antônio foi até a cidade dar o seu depoimento pelo ocorrido, e ao sair da delegacia avistou o Senhor Vendrusculo que morava em frente e sabia do ocorrido e para provocar o Antônio perguntou: Tchó Toni, que Zé quela roba davantti la delegacia? (o que é aquilo na frente da delegacia?) E Antônio muito depressa respondeu: “Quela roba li zé el canon della Russia.” (Aquela coisa é o canhão da Rússia)

Aos 02 de julho de 1962 na cidade de Nova Palma na praça Pe. João Zanella reuniram-se os trabalhadores rurais para tratar da fundação do Sindicato dos trabalhadores rurais. Antônio foi um dos sócios fundadores desta instituição, pois acreditava na defesa da coletividade.

Aos 03 dias do mês de fevereiro de 1963, na cidade de Nova Palma (RS) aconteceu uma reunião para organizar uma cooperativa com objetivo de conseguir melhores preços pelos seus produtos bem como o não pagamento de ICMS. Então 28 agricultores acreditaram nesta ideia lançada primeiramente pelo Pe. Luizinho e fundaram a Camnpal. Primeiramente vendeu-se só fumo e feijão, pois a soja só veio na década de 70. Aurélio Bertoldo, conta que no início tiveram muitas dificuldades, pois não tinha pessoas capacitadas com cursos de administração, mas que mesmo assim conseguiram em 08 de fevereiro de 1976 construir o primeiro prédio da referida instituição.

Em 03 de fevereiro de 1988, foi feito comemoração de 25 anos de fundação da Camnpal, com a presença dos sócios fundadores, estavam presentes 27 sócios porem uma cadeira estava vazia pela ausência de Antônio que já havia morrido, o que causou muita tristeza nos familiares então a homenagem foi recebida pelo seu neto Bernardo Piovesan.

Em 02 de setembro 1972 – relembra a Odila – foram comemoradas as Bodas de ouro do casal Antônio e Elizabeth, foi feita uma festa: – A turma se organizou e fizemos uma bela missa as 16h 30min.

Solenizadas por seus filhos cantores na Igreja Matriz Santíssima Trindade, e depois teve um jantar com churrasco, risoto, cuca, etc.

E continua o relato.

– Os dois entraram na igreja bem arrumada, o pai com uma aliança emprestada, a mãe com um coque banana e um vestido de tecido brilhoso. No final da cerimônia, eu cheguei por trás deles e fui dirigindo-os para o cortejo de saída. O pai empacou, se virou para o lado dos cantores, botou os óculos no alto da cabeça e começou a cantar junto. Depois disse: “Gue mancava um basso” (faltava um baixo). Só depois deu o braço pra mãe que estava ansiosa para desfilar no corredor da igreja “a braceto” (de braço dado) com o pai. É claro que ela não largava dele, afinal era o grande dia. As pessoas fizeram fila para os cumprimentos na porta da igreja. O pai olhou a fila e lascou essa: – “Varda que fúlmine de iente, no i se finice mai…” (Olha que monte de gente… A fila não acaba mais…)

Depois ele falou pra mãe: “Questa liança lá me struca el deo, bisonha que gue passe la cachaça per tirarla fora” (a aliança está muito apertada e precisa passar uma cachaça para ela sair do dedo). E a mãe sempre do lado, quando dava, de braço com ele. Aí ele se saiu com essa: “Tchó vecchia, no te me assi pi, gueto paúra doppo de tutti sti ani, que te asso…” (Ó velha, tu não me deixas mais, tá com medo que, depois de todos esses anos, eu te deixe…)

A doença de Antônio teve início em março de 1976 e durou até outubro do mesmo ano, a doença fazia com que tivesse muita tosse e sentia também muita falta de ar, e nos últimos meses perdeu totalmente a voz, numa festa da família de dia das mães o Padre Luiz foi até a residência para mostrar uns cantos que haviam feito algum tempo antes e foi colocado a gravação e Antônio tentou cantar, e não conseguia. Foi um momento muito triste para seus filhos que estavam presentes, pois ver um homem que cantou uma vida toda não poder fazer o que mais gostava.

Antônio faleceu no dia 30 de outubro de 1976, era de tarde mais ou menos às 17 horas. Na presença da esposa e da filha Thereza. Thereza conta que foi a primeira pessoa que viu falecer. Como era sábado muita gente só ficou sabendo do falecimento na missa do domingo. Como ele era muito conhecido, praticamente toda a comunidade se fez presente nos funerais. Fizeram questão de carregar o caixão nas costas, do salão até o cemitério tal era o carinho com que a comunidade o tratava. O reconhecimento por uma vida dedicada à comunidade.

– Em julho, nas minhas férias – conta o Liceo – fui visitar eles. Na primeira manhã ele ficou conversando comigo muito tempo depois do café. No início percebi que a voz dele falhava e ele ficava muito nervoso até nem queria mais falar, mas aí comecei a falar com ele cochichado sem forçar as cordas vocais. Acho que ele notou que eu queria ouvi-lo, aí parece que relaxou e tivemos uma longa conversa. Foi o último encontro que tive com ele também na ocasião tirei uma foto do casal na escada da casa. É a foto que ilustra a capa deste livro.

Elizabete faleceu em 27 de janeiro de 1992, quando foi até o parreiral da família pegar uvas e sentiu-se mal, tendo um infarto fulminante e faleceu na hora.

– E mamãe contava – conta a Odila – que a Nôna gostava que as filhas estivessem bem vestidas e soubessem fazer um pouco de tudo em casa e na roça. Ela era vaidosa dentro das possibilidades. Gostava de usar colar ou correntinha e coque com presilhas. Era uma lutadora, verdadeira heroína para dar conta das lidas da casa, filhos, lavouras e criação. Tenho vaga lembrança da casa, no meu tempo de criança: Uma casa com sala com assoalho e cozinha de chão batido, e para cozinhar a comida um “fogolaro” (fogo de chão) e uma “cadena” (corrente) onde pendurava a panela do feijão ou para a polenta etc., que trabalheira, buscar lenha na roça, tirar água do poço, lavar a roupa no rio (e o lavador … que figura), fazer o pão e tirar leite.

Um aniversário e tanto.

Era aniversário do Antônio. Dia 19 de maio 1949. Os amigos resolveram fazer aquela festa. O Nôno Piovesan, Giovanni, vizinhos e a Banda composta por 18 pessoas entre eles: Angelim Girardello, Afonso Vestena, Albino e Augusto Vestena, Feruchio Salvieri, Guerino Rossato, Amadeu Zanon, Valentim Piovesan, José Zanon, Agostinho Piovesan. Combinaram de fazer uma festa surpresa para Antônio. Então Angelim Girardello, Afonso Vestena, Guerino Rossato e Amadeu Zanon que foram os organizadores com Valentim Piovesan. Cada um foi encarregado de “roubar” uma coisa na casa do aniversariante: Um leitão, seis ou oito galinhas, cucas e bolachas etc.

Os organizadores marcaram um local para se encontrarem que era no poço do rio da ponte. Após todos chegarem, soltaram foguetes a ponto de assustarem a mula do tio Valentim. Na estrada que entrava na casa de Antônio a banda começou a tocar. O Nôno Piovesan (Giovanni) vinha à frente dando o tom e a banda logo atrás tocando uma marcha. Depois dos comprimentos, foram procurar a mula do tio Valentim, finalmente encontraram. Dentro de um buraco que haviam feito para pegar capivara tipo armadilha (essas armadilhas eram feitas tipo uns buracos fundos e largos camuflados por galhos e folhas, para as capivaras que comiam milho da lavoura caírem), fizeram um grande esforço para tirar a mula, Com cordas e a força dos homens conseguiram puxá-la para fora. Apesar deste pequeno acidente a festa foi um verdadeiro sucesso, Antônio muito alegre com a homenagem feita pela banda e principalmente por seu pai ter-lhe dado tamanha honra com a banda sendo comandada por ele.

– O pai não deixava passar nenhuma data festiva – conta a Maria – os aniversários em especial eram comemorados com maestria. Era muito difícil de pegar ele desprevenido.

Um vizinho muito difícil.

Um dia Antônio como de costume estava podando o pereiral, e nisso chega o seu vizinho Arcângelo Mazzaro. Este cidadão era conhecido por ter certa dificuldade no relacionamento, ao exigir seus direitos. Antônio por sua vez era uma pessoa de fácil convivência até a hora que “lhe pisassem nos calos”. Acompanhe o dialogo dos dois:

– Arcângelo – Mi son vinhesto qua par nantri se acertare. (Eu vim para a gente se acertar).

O Nôno deve ter pensado qual era a encrenca.

– Nôno – Ma acertarse de cossa? (Mas se acertar de quê?)

– Arcângelo – El tuo can bianco me gá copa el me agnelo da semensa. (O teu cão branco matou o meu cordeiro reprodutor).

O Nôno surpreso responde.

– Nôno – Ma mi no go nhanca can, go solo una canha. (Mas eu não tenho um cão, só tenho uma cadela)

– Arcângelo – Me cato que la gera na canha bianca. (Até eu acho que era uma cadela)

O Nôno deve ter pensado minha cadela virou cachorro.

– Nôno – Ma la me canha la zé meda daleta. (Mas a minha cadela é amarelada).

O homem querendo arrumar um culpado e não se dando por vencido falou:

– Arcângelo – Ma me par que la gera meda daleta. (É, me parece que era mesmo meia amarelada)

O Nôno não gostou de ouvir tais palavras foi saindo do pereiral, vendo que o caldo ia entornar disse:

– No no – Prima el gera um can bianco, dopo la zé vegnesta na canha bianca, dopo la zé vegnesta daleta, e mi cato que gera el demônio, vuto vedere que colore que era? Ma varda que qua no te cati i Pelegrini. (Não, não – primeiro era um cão branco depois virou uma cadela branca depois ficou amarelada, eu acho que era o demônio, queres ver que cor era ela? Mas olha que aqui não achas um Pelegrin) (Pessoas que seguido se incomodavam com Arcângelo, pois eram lindeiros). E levantou o braço esquerdo para bater no Arcângelo. Como o outro não reagia o Nôno foi baixando o braço devagarzinho e quando o Nôno terminou de baixar o braço, os dois em silêncio se encaminharam em direção a casa e lá chegando o Ancângelo, vendo que tinha se livrado de uma surra, com a maior cara de sonso diz:

– Arcângelo – Ma Toni, me par que te ghe anca inrabia. (Mas Toni, me parece que você ficou enraivecido).

Uma do Bepi Boton.

Conta a Pierina:

– Esse tal de Bepi que era amigo de Antônio e marido da Gusta Bértola passavam sempre aos domingos, depois da missa lá em casa para tomar chimarrão, beber um vinho e jogar uma conversa fora atualizando os assuntos.

Enquanto isso Elizabeth e Pierina ficavam preparando o “dinare” – almoço.

Elizabeth: – Tchó Toni andemo dinare? (Toni vamos almoçar?)

O Boton disse: – Bem, bem, mi vó casa. (Bem, eu vou para casa).

O Antônio insiste: Vien mangiare, que lora quel laoro li teo fato. (Vem almoçar, que o trabalho já está feito)

Então o Boton aceitou o convite e foram almoçar.

Antônio disse para sua mulher Elizabeth pegar u pedaço de toucinho e fritar para temperar o radicchio, ela fez e durante o almoço Antônio sem que a visita percebesse pegou o “corinho” do toucinho frito e escondeu debaixo do prato, terminando o almoço, Antônio colocou o corinho na boca e começou a mascar.

O Boton olhou o amigo e perguntou o que ele estava mastigando, Antônio querendo aplicar uma no amigo simplório disse:

– Estou remoendo (ruminando). Tu não remoe?

– Não, respondeu o tal amigo.

Intrigado ao sair para casa, o Bepi ia pensando e ao encontrar os amigos dizia:

O Antônio remoe, tu sabia?

E a tal fama ia correndo…. Quem engolia a tal estória engolia.

Os banhos de Antônio

Falando em água, lembro-me dos banhos do pai: sempre no rio, embaixo da ponte, sem roupa, é claro. O engraçado era que quando ele chegava à casa a mãe perguntava como tinha sido e ele sem nenhum pudor dizia que tinha se lavado tão bem que “el”, se referindo às partes intimas, acho “gá fatto crec…crec…”de tão limpo…

Ele sempre deixava o sabão para o banho numa árvore a beira do rio.

O gato escaldado

Quero contar uma história engraçada do pai. Já falei que ele tinha um gato daqueles manhosos, mas de raça bem ordinária. O tio Benjamim que na época era juiz de paz, às vezes trazia os “doutores” da cidade para um chimarrão e umas conversas com o pai. Lá no terreiro, formavam a roda com as cadeiras e ficavam contando causos e escutando o pai.

Ele contava que o tal do gato ficava sempre deitado no chão embaixo dos pés do pai. Como acontecia à tardinha, nessas rodas, havia vinho também e o pai ficava bem alegrinho. Um dia, o tio trouxe um médico bem grã-fino. O pai foi servindo o chimarrão, com a chaleira preta, e como não enxergava bem, era à tardinha, ele ia despejando a água bem quente, na cuia enquanto cuidava o tal gato deitado bem embaixo. Quando a água caía no gato, este chispava pra longe, assustado. Aí o pai servia o chimarrão, com a cuia molhada e tudo. O tal “dotore” pegava com as pontas dos dedos, sorvia o mate encurvado sobre as pernas abertas, o mate devia estar bem quente, e depois entregava a cuia com as pontas dos dedos; então, puxava um “faccioletino” bianco” (um lencinho branco) e se secava os dedos dizendo: “Brigado”.

O gato nessas alturas já havia se acalmado do susto e da queimadura, e já voltava para o seu posto. Esse sim é o que se pode dizer: Era o verdadeiro gato escaldado…

Enterrado vivo.

Um dia Elisabeth que, na época, só tinha os filhos Achiles e Pio ainda pequenos, foi à roça. Deixou os dois a sombra de uma macega e tocou o que podia no trabalho. Absorvida pelo trabalho quando se deu conta foi olhar os meninos e se deparou com a seguinte cena: O Pio que era mais novo coberto de terra e agitando os bracinhos com dificuldades de respirar e o Achiles que havia se entretido com a brincadeira de jogar terra no irmão, andou a esmo até ser encontrado dormindo no meio da capoeira.

Um barbeiro atrapalhado.

Pio contou que era costume do Jerônimo Canzian, depois da missa do domingo passear lá em casa para cortar os cabelos com ele. Este tinha duas maquinas: Uma, número 01, e a outra 00 (dois zeros).

O Jerônimo esperou pelo Pio e este custou a chegar. Então ele já cansado disse para o Pai: “Taié vu, Toni” (corta tu, Toni). O pai que era canhoto examinou o caso experimentou as máquinas, e acabou usando a 00. Com a canhota dele, começou a trabalhar, pegou o embalo e foi subindo, pelo lado, atrás da orelha, fazendo uma “estradinha” desde o pescoço até o cocuruto da cabeça. Nisso o Pio chegou e ao ver seu pai levantar a máquina viu tamanho do estrago. Agora só restava ir arrumando como dava de um lado e do outro tentando consertar o prejuízo para deixar a “barbeiragem” um pouco menos desastrosa.

Uma das viagens até Santa Maria

Antônio e mais quatro amigos entre eles José Barato e um Rubin, iam uma vez por mês a Santa Maria receber a aposentadoria, uma vez que não tinha como receber em Nova Palma. O Rubin levava os seus documentos num saco de sal. Após receber o dinheiro ele comprava um uma penca de banana e colocava no mesmo saco que ele guardava os documentos e Antônio tinha que segurar o saco, mas nunca ganhava uma banana sequer.

Uns dias estavam esperando o ônibus para voltar quando passou um ônibus pensaram que era o deles, entraram nem perguntaram para onde ia. Andaram um tempo e quando o cobrador chegou no José Barato e para cobrar a passagem pediu o destino e ele disse Nova Palma e o cobrador respondeu:  Mas este ônibus vai para Restinga Seca, então, Barato desceu e não avisou os outros. E em cada um que o cobrador ia descobriam que estavam no ônibus errado desceram no meio da estrada e esperaram que o ônibus que ia pra Nova Palma passasse então todos chegaram em casa naquele dia, menos o Burin que só conseguiu chegar em casa três dias depois.

Com esse fato ocorrido para não haver mais enganos e perdas de pessoas o Milvo Cancian motorista do ônibus e que conhecia os aposentados, combinou que eles esperassem sempre no mesmo lugar e que só entrassem no ônibus que ele estivesse dirigindo.

“Recordando tio Antônio e tia Eliza, – conta o Vendelino Piovesan, um dos sobrinhos, filho de Guido Piovesan e Marcelina Savegnago – pessoas muito queridas que tive o prazer de conhecer. Católicos fervorosos dedicados a família, a comunidade e a igreja. O tio Antônio era contador de histórias sempre rodeados de amigos que o escutavam com atenção, por que mesmo se repetidas sempre tinham detalhes novos e interpretações primorosas gesticulando com a mão esquerda. A tia Iza, muito paciente fazia observações, colocando ou tirando detalhes e riam juntos alegres. Para mim eles eram exemplos de pessoas muito boas, tios queridos, estimados e respeitados por todos. O tio Antônio era titular no toque do sino na Igreja matriz, nos dias de festa, toque original dos sinos (dim, dem, dom), com intervalos primorosamente sincronizados entre o agudo, o médio e o grave. O tio foi cantor, diretor e mastro do coral da Igreja por muitos anos. E sinto-me honrado em participar desta recordação.

Foto oficial de casamento

 

Última foto do casal tirada em julho de 1976 (foto de Liceo Piovesan)

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