Excesso de velocidade…

A velocidade sempre fascinou a humanidade, desde a época das cavernas os humanos tentam descobrir métodos de se locomover mais rápido, naquele tempo era compreensível pois, não raro, tinham que fugir de algum predador muito mais veloz que eles. Escapar de um predador produzia um prazer indizível, equivalia a nascer de novo, por isso a corrida foi se incorporando ao fazer humano como fonte de adrenalina e consequentemente de prazer. Isso explica porque naquele 19 de maio de 1948 os irmãos Achiles e Abel disputavam uma carreira. As carreiras eram comparáveis aos atuais rachas feitos entre jovens atualmente. Como naquele tempo só existiam cavalos por lá é natural que as corridas fossem nesta modalidade. Uma das diversões preferidas da gurizada, quando tinha apenas um cavalo a corrida era feita da seguinte forma: dividia-se a cancha em duas metades e o corredor a pé começava na metade enquanto o cavaleiro percorria o trecho todo. Diversas modalidades eram usadas para este tipo de competição, a mais comum era a cancha reta, que em geral apresentava alguns problemas porque não tinha grandes retas nas estradas e caminhos. Por isso a carreira terminava na reta, mas o espaço para desaceleração ficava numa curva.

Os Piovesans: Thereza, Odila, Clementina, Lino, Pio, Inacio, Maria e Abel cantando. note-se que o Abel ao movimentar-se evidencia a perna quebrada.
Como nos rachas, as curvas em alta velocidade sempre representaram perigo, mesmo nas corridas de cavalos, e por isso sempre foram propícias para acidentes.
– Lá vêm os dois irmãos cavaleiros em alta velocidade, passo a passo, paleta a paleta, numa corrida emocionante, se aproximam da linha final, praticamente, emparelhados, e… cruzam a linha de chegada!
Os cavalos ainda correm um pouco na curva enquanto os cavaleiros praticam as manobras de desaceleração, o cavalo do Abel resvala e lá se vão os dois para o chão, não houve vencedores. O Abel saiu com uma perna quebrada e o Achiles teve que teve que carregar o mano para casa.
O que tinha de mais avançado na época para ossos quebrados era a prática exercida pelo Domingos Casarin, tradicional arrumador de ossos de Nova Palma, que procedeu a entalação da perna, após ter posto os ossos no lugar. Para imobilizar um membro quebrado era feito a entalação usando preferencialmente talas de taquara de 25 a 30 centímetros de comprimento por três ou quatro de largura, enroladas em um pano macio, em geral tiras de um lençol velho. As talas eram colocadas ao redor da perna ou braço quebrado e fixadas com mais tiras de pano, coladas com breu. Este tipo de imobilização era muito eficiente e fácil de fazer com os recursos limitados que havia naquela época. Fico a imaginar o que foi a arrumação do osso sem anestesia, embora seu Domingos tivesse bastante prática, com certeza não foi brincadeira.
Quem já quebrou um osso sabe muito bem que a dor que se segue nos dias subsequentes é algo capaz de fazer qualquer um delirar. E é no pós-quebradura que a história toma rumos diferentes, existem duas versões explicativas para o ocorrido. A primeira dá conta de que uma noite deu um temporal e o Abel tendo levado um susto sem perceber mexeu a perna colando fora do lugar. Mais tarde, quando foram tiradas as ataduras e talas, percebeu que sua perna estava alguns centímetros mais curta, o que mais tarde lhe deu problemas de coluna.
Mas existe outra versão, a do irmão Lino. Segundo o ele o Abel era sonâmbulo, chegando muitas vezes a levantar a noite, em noite de lua, e encangar os bois e ir lavrar dormindo. Falaremos disso noutra oportunidade. Estando ele convalescendo, após a fratura da perna ele ficou vários dias na cama, teve febre e era mantido acordado o dia todo para poder dormir quando o cansaço e a dor tomassem conta dele à noite. Depois do segundo ou terceiro dia começava a aliviar a dor e ele conseguia descansar melhor durante o dia, numa noite, ainda cedo, quando a família se preparava para jantar alguém viu o Abel passar em direção à estrebaria caminhando com extrema dificuldade e o nono gritou:
– Cossa sito drio fare? (O que você está fazendo?)
Ao que o Abel respondeu tranquilamente:
– Vao tchapare i boi par arare. (Vou pegar os bois para lavrar)
Foi um corre-corre saíram todos para fazê-lo voltar para a cama.
Apesar do serviço do arrumador de ossos ter sido feito com esmero, os ossos que estavam quebrados na diagonal sofreram um deslizamento que acabou fazendo com que a perna ficasse mais curta.