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Tudo aquilo que não está datado nem pertence especificamente a um filho.

O meu pai – As aventuras do corcel marrom

Já se passaram alguns anos desde que ele nos deixou, no entanto ele ainda continua vivo em nós. O seu jeito brincalhão, a sua disposição ao trabalho, os saberes acumulados pela experiência e os das vivências, as histórias.. e em especial o jeito de contar histórias. Acho que aprendi a técnica dele quando a Silvia e eu escrevemos o livro do Nono “Toni Torchio”. Tentei descrevê-la no inicio da segunda parte do livro. E tem as histórias como as de seu engajamento político como a dos bois políticos. Ele era brizolista, trabalhista, nunca fez grandes campanhas, mas nunca deixava de expressar sua posição (a história está no link). Eu sempre tive uma posição política um pouco avessa ao capitalismo a historia e a explicação das razões está num post dos meus escritos do seminário do Braga. Nunca, no entanto fui fanático, porque acredito que a verdade de cada um é pessoal.

Mas eu queria escrever de como ele me ensinou a ser humano e para isso vou contar uma história, é claro que usarei o seu estilo, mas vou contar uma história minha.

Vamos nos situar, o ano era 1982, eu tinha a filha, a Liceia, com dois anos. Eu andava meio ressabiado da política, tinha gritado pelas “Diretas já” e resultou no Sarney. O Brizola que brigara pela sigla PTB e criou o PDT. Mas por falar em partido, meu coração político estava partido, acho que esta é a verdadeira explicação. Era Ano eleitoral mas eu não estava nem aí.

Neste ano o dia da Criança era terça-feira, aí no meu trabalho deram a segunda de folga por conta do dia do professor. Belíssima oportunidade para rever meus professores de vida, o pai e a mãe. E lá fomos nós rumo a Palmeira das Missões pilotando um velho Chevete 1964. Fim da tarde de sexta e estávamos estacionando em frente a casa. Abraços e beijos de chegada e uma pergunta:

– Cadê o pai?

– Tá circulando por aí com uns políticos.

Só aí me dei conta que estávamos numa campanha eleitoral. Descarregamos as malas, nos acomodamos, jantamos e fomos dormir e nada do pai. Bem! Amanhã cedo a gente dá um abraço nele. No outro dia cedinho, lá pelas sete e meia, acordamos e:

– Bem! Agora vamos tomar chimarrão com o pai.

Só estava a mãe tirando leite, a chaleira chiando no fogão e nada do pai. A mãe chega com o balde de leite e de novo vem a pergunta clássica:

– Cadê o pai?

– Já saiu com o Leo e os políticos, o Leo é candidato a vice.

– Ah! Tá.

Passamos até o meio dia com a mãe fazendo almoço e ao redor da casa e da horta. Almoçamos e nada do pai. O seu Adão, que vira um carro diferente veio ver quem era, tomamos uns chimarrões juntos e ele foi trabalhar. Já eram quase três horas estávamos na frente da casa jogando conversa fora. E, eis que surge na estrada poeirenta o velho corcel marrom e estaciona bem encostado no portão, dele saem o pai, um bigodudo e o Leo.

– Buenas tardes!

– Boa tarde, este é o …

Nem prestei atenção, meus olhos estavam fixos no pai que foi direto a cozinha com cara de cachorro faminto e falou pra mãe:

– Mãe? Será que dá pra fazer alguma coisa rápida pra nós? A gente está sem almoço e sem café estão vindo também o … o… e o…

Confesso que não prestei atenção a nome nenhum. Só prestei atenção ao fato dele tratar a mãe com humildade e o respeito que ela merecia. A mãe respondeu que tinha sobrado arroz, feijão e mandioca do meio dia e podia fritar alguns ovos. Ele respondeu que estava ótimo pois não podiam demorar. Enquanto isso na sobra, lá fora, o bigodudo e o Leo falavam com as crianças e a Catia. O pai e eu saímos da cozinha e fomos nos juntar a eles. Me apresentei e falava do meu trabalho quando surge na curva uma Brasília azul empoeirada e estacionou ao lado do Corcel. Dela saltaram um outro bigodudo, que estava no volante, um barbudo que estava no banco do carona e um engravatado que estava no banco de trás. Conversamos um pouco enquanto o almoço não ficava pronto, a conversa era toda direcionada à valorização do trabalho e do trabalhador. Lembrei dos discursos do Brizola, meu maior ídolo até então.

Olívio Dutra

Alguns anos mais tarde mudei de ídolo.

Aí entendi, eram do Partido dos Trabalhadores em Palmeira e que meu irmão era candidato a vice-prefeito e que o bigodudo da Brasília candidato a prefeito. Confesso que não prestei muita atenção aos outros. Aí a mãe chamou para o almoço, eles almoçaram rápido e pegaram a estrada novamente. Ficamos nós e a mãe.

– Mãe! Quem é esta gente?

– Aquele que veio com teu pai é o Olívio Dutra. – O da Brasília é o Siqueira candidato a prefeito com o Leo, aquele de barba é o Luís Inácio da Silva, presidente do partido e o outro é o Jacó Bittar de Campinas.

Foi assim que conheci o Lula. Mas a lição que ficou pra mim do episódio é que aquele pai que as vezes parecia um gurizão brincando com as crianças, sabia muito bem defender suas posições políticas, e era capaz de dar o melhor de si para defendê-las.

Lino o meu ídolo

As vezes uma criança grande, outras um adulto responsável e comprometido politicamente.

Viver de graça a graça da família

Viver e conviver com a Família Piovesan é uma dádiva de Deus. Assim comecemos dando graças por pertencer a esta família.

Lembrando que não é por acaso que a palavra graça tem dois significados: viver assim é divertido, engraçado e é bom, e conviver com esta gente é uma graça de Deus.

O que nos une e nos distingue, nessa Grande Família é o barulho causado pela ânsia de viver intensamente cada momento que a vida nos propicia. Por isso não separamos a vida da religiosidade. O nosso patriarca não separava o religioso do profano, para ele tudo na vida era sagrado. Cantar na igreja ou numa festa são formas de louvar o criador.

Por ocasião da festa dos Piovesan em 2000, ainda no século passado, foi lançado um livro com a genealogia da família de Giovanni Marco, nosso bisavô. Ainda na festa conversei com alguns, dentre os quais o Abílio, o tio Pio, o meu pai Lino e alguns primos que seria interessante escrever um livro com “as histórias da famiglia”. O dia a dia, a forma de interpretar e contar a vida.

Os “causos”, que não são estórias e sim histórias, contadas com as mais variadas interpretações. Neste particular a família do Antônio o Toni, em especial ele e seus filhos, sempre gostaram de histórias, às vezes contadas com exageros, mas sempre com a melhor das intenções. São elas que tornam a vida mais leve, mais divertida, enfim, mais gostosa de viver.

Cresci ouvindo o tio Achiles e o tio Lino (meu pai) contando histórias. Depois ouvi o Nôno Toni, o tio Pio, o tio Abel, as tias e finalmente criamos coragem a Silvia e eu para começar a escrever, isso já em 2010.

Começamos coletando informações com os tios, depois os vizinhos mais velhos do Nôno Toni, depois algumas pessoas que conviveram com ele ou com nossos pais e tios.

Enquanto a Silvia pesquisava dados da imigração, entrevistava pessoas em Nova Palma e pelo mundo a fora, que serão colocados, sempre que possível, como diálogos. Eu comecei a me dedicar a escrever histórias. Partindo de algum fato engraçado, contado por um primo ou vizinho ou de alguma história que ouvi de meu pai, de algum tio ou do Nôno, comecei a tentar recompor o dia a dia. Aquela história que normalmente não vai para os livros de história, mas para os de ficção.

Portanto, este livro até pode, em alguns momentos, parecer ficção, mas, podem crer, sempre baseada em fatos, e é claro contada pela visão de contadores de histórias, a tão falada história oral, que pode misturar personagens, se perder nas datas, mas sempre preservando a graça de viver.

Desta forma, agradeço àqueles que colaboraram ou inspiraram as histórias que vem a seguir, e posso falar também pela Silvia, que escreveu quase toda a parte histórica dos Tios e do Nôno. Temos certeza que muita coisa ficou para trás, mas este é um começo e não um fim de nossa história.

A saga continua e cada um que ler estas páginas poderá nos contactar para dar mais vida e talvez continuar o segundo volume do “Livro encantado da famiglia Piovesan”.

Liceo Piovesan

Sventolon

Algumas máquinas a gente nunca esquece, em especial as que fazem barulho, giram em alta velocidade e fazem mágicas. Do meu avô Trentin lembro de três, O rebolo movido a pedal que tinha polias para aumentar a velocidade, a máquina de debulhar milho e o ventilador para separar grãos, separava por vento o componente menos denso de uma mistura formada por sólidos de diferentes densidades. Exemplo: separar a palha do grão de feijão.

Cada detalhe do sventolon tinha seu propósito, o eixo da manivela tinha umas ranhuras, uns valinhos… Ah! o eixo ficava no fundo de um reservatório com as laterais inclinadas de forma que o produto ali colocado deslizasse para o fundo onde estava o eixo, as ranhuras do eixo iam derrubando o produto, neste caso feijão com palha, aos poucos, mas esta não é a parte mais fascinante do mecanismo, até porque não se vê. 

Por fora tem uma enorme engrenagem de madeira com dentes meticulosamente talhados que toca outra engrenagem, muito menor presa ao eixo do vento. Este, quadrado dentro da máquina, tem quatro pás de madeira leve e fina que giram livremente dentro de uma câmara arredondada. Do outro lado da engrenagem o eixo esta preso a uma travessa com o mancal e tem buracos por onde se podem ver as pás, quando está parado. Quando gira só se ouve o uuu… do vento entrando. Logo abaixo do eixo da manivela, aquele que tem ranhuras, uma fresta deixa escapar o vento com bastante pressão.

Assim que o mecanismo atinge uma certa velocidade começa a cair feijão com palha, aí o vento sopra as palhas pra longe, fazendo uma poeira infernal, deixando cair o feijão limpinho no recipiente abaixo. Parecia uma mágica ou não, deixa-me ver era mágica de verdade, pelo menos esta é a opinião do menino Maurício que está, com a irmã Isabel, passando uns dias de férias na casa do vô.

Férias na casa do nono

Criançada de férias na casa dos nonos.

Na casa dos avós tudo é mágico, tem aqueles mecanismos de ir enrolando o fumo de corda que parece uma corda preta. De tempos em tempos tem que desenrolar de um rolo e ir apertando e enrolando noutro, até ficar bem firme e curado para fazer os palheiros, como os da história da Gusta Bertola. O maquinário era interessante mas não chegava a ser mágico, magico mesmo era o sventolon.

O nono levava até a sombra das laranjeiras, (até tinha uma história que a nona teria caído uma vez delas quando subira para colher frutas par as crianças, mas não temos mais dados da história) lá, quase fora do terreiro instalava a máquina mágica e começava a girar a manivela mágica. Aí fazia um ruído que parecia um temporal, acho que era o redemoinho do saci, aí saia uma poeira danada e depois ele tirava de baixo da caixa mágica uma lata de feijão preto limpinho.

Se o vô faz mágica porque o neto também não pode fazer? Foi assim que o Maurício pensou. Lá foi ele girar a manivela mágica, e não é que fazia a ventania igualzinho o nono, só não fez a poeira e nem saiu feijão por baixo, até depois de soltar a manivela continuava a girar. Era mágico mesmo, mas alguma coisa estava errada. O uuu do vento continuava, mas olhando pelos buracos não se via as pás, foi aí que ele resolveu conferir e enfiou o dedo. Ui! Não saiu feijão mas começou sair sangue do dedo. Aí a mágica aconteceu, todos correram para ele, pegaram no colo, cuidaram e principalmente fizeram um belo curativo.

De recordação ficou uma cicatriz e a história pra contar pros netos quando eles vierem visitar a casa mágica do vô.

 

Isso não é comigo!

Esta é uma contribuição do Leonildo.

Seu Lino era um homem de bem com a vida e querido por todos os moradores da vizinhança, onde era conhecido como “veterinário” apesar de ter cursado muito mal o quinto ano primário.

Sentia prazer em cuidar dos animais e só entrava em casa quando a noite já ia adiantada, depois de tratar e recolher toda a bicharada ao estábulo. Fazia isso com muita alegria assoviando em alto timbre que no silêncio da noite, cortada apenas pelo mugido das vacas, podia se ouvir a quilômetros de distância.

Não havia dia em que alguém não o fosse buscar para tratar de algum animal pesteado, e, não foi diferente nesta noite chuvosa de sexta-feira do ano de 1964.

Eram aproximadamente nove horas da noite e Seu Lino recém havia entrado em casa. Os meninos liam histórias, sentados ao redor do fogão a lenha, enquanto Dona Bide preparava o jantar. Foi nesse momento que alguém gritou:

–       Oh de casa!

Seu Lino ralhou os cachorros e abriu a porta para o “Seu” Adão, que entrou assustado, quase perdendo o fôlego.

–       Seu Lino! É um caso muito urgente para o senhor resolver!

–       Alguma vaca “empanturrada”?

–       Não Seu Lino, é a vovozinha.

Vovozinha era a avó materna do Seu Adão, que nessa época já perdera as faculdades mentais e com elas a conta dos anos de idade, mas falava-se que andava pela casa dos noventa anos e, para os familiares, era apenas “fraca da ideia”.

–       Mas Adão, isso não é caso para veterinário, tem que levar pra cidade, recomendou Dona Bide, parando de mexer a polenta que preparava.

– Não tem jeito Dona Bide, se levar ela “pra fora” ou chamar um médico ela morre. Ela está engasgada com um osso de galinha que engoliu quando tomava uma sopa. Tá muito mal, morrendo asfixiada.

–       Prontamente!

Falou o especialista das ciências dos animais, usando o termo que era sua marca registrada quando se prontificava a atender a um chamado, já pegando sua sacola de couro com os apetrechos para os tratos veterinários e enfiando seu Ramenzoni na cabeça.

–       Vamos logo compadre, porque já vi muito bicho morrer engasgado por não ter sido socorrido a tempo! -Sentenciou o “veterinário”.

Correndo atravessaram as lavouras para ir mais rápido, e, não foi com esforço, porque naquele tempo, Seu Lino estava na plena forma de seus quarenta e poucos anos e acostumado a correr atrás dos bichos. Assim em três ou quatro minutos chegaram à casa do Seu Tatão genro da velha, com quem ela morava.

O reboliço estava formado.

Uns rezavam, outros batiam nas costas da velha e a filha chorava num canto, enquanto a pobre vovó se debatia tentando respirar, sem entender o que se passava com ela.

–       Deixem comigo!

Ordenou o veterinário afastando os familiares.

–       Me arrumem uma banha!

E tirando o facão, que sempre carregava na cintura, correu para uma touceira de bananeiras, onde cortou uma folha que foi logo pelando o talo. Arredondou a ponta, passou na banha e pediu a ajuda dos familiares que, desesperados, mas confiantes, agarraram a senil vovó enquanto forçavam-na a abrir a boca.

Seu Lino, com o mesmo cuidado que tinha para com os animais, foi cuidadosamente enfiando o talo de bananeira na garganta da moribunda vovó e graças à sua destreza e habilidade de mestre, em poucos segundos deslocou o osso garganta abaixo, livrando a velha da morte por asfixia.

–       Feito o serviço!

Declarou o especialista, dando o assunto por encerrado. Todos respiraram aliviados principalmente a vovó. Então o Seu Lino concluiu:

–       Mas se o osso trancar no outro lado, chamem um médico, porque aí o caso não é de minha competência!

Sentenciou o “doutor”, arrancando risadas da platéia aliviada, graças a mais uma intervenção feita com sucesso pelo Seu Lino.

Nota: esta história é verdadeira e Seu Lino é o pai do narrador.

Prova que os vizinhos eram inseparáveis, no dia da primeira comunhão do Luís e do Valter. Atrás do altar estão o Seu Lino e a Dona Bazelides com o Luís e ao lado o Seu Adão com a Dona Dila e o Valter.

Enfim, carne…

A grande motivação que iniciou a aventura do Leonildo, do Natalício e do Adélio foi a possibilidade de estudar Geologia na Unisinos. Mal sabiam eles que a cidade não via com muito bons olhos um alemão, um gringo e um negro juntos, mas a historia de hoje não tem nada a ver com isso, mas isso foi o que levou os três a alugar a casa do Astor e fundar a primeira república livre na cidade. Fundada em 1975… deixa pra lá, outro dia contaremos a história.

Já era 1977, mais precisamente na saída do inverno quando os bichos começam os rituais de acasalamento. Eu, ainda seminarista morando em Santa Isabel começava a arrastar a asa para uma catequista da paróquia. Calma! Isto é uma história de família. Nesta época a tia Odila, recém saída do convento estava a namorar, e como faz parte desse ritual tem que ir integrando o escolhido na família, assim eu também tinha esta obrigação. A família mais próxima que tínhamos no momento era o Leonildo e seus colegas em são Leopoldo. Foi então que decidimos a Catia, a tia Odila, o Fernando e eu fazermos uma visita à república. E assim começou a jornada…

Como o “tio” Fernando estava já motorizado nesta época combinamos nos encontrar na rua da Azenha, a Catia e eu iriamos de ônibus até lá e de lá para São Leopoldo de fusca. Assim de forma bem tranquila chegamos ao nosso destino.

O ecônomo, que sempre conduzia com mão de ferro as finanças da casa, neste dia liberou verba para a compra da carne e assim enquanto batíamos papo na cozinha, com a porta trancada porque fazia um frio do cão, o assador se aquecia numa churrasqueira improvisada do lado do banheiro, que era do lado de fora da casa. Enquanto a carne ia adquirindo cor e sabor, dentro da casa, além do papo animado foram preparadas saladas, cozido arroz e outros acompanhamentos. Por ser dia de festa tinha até refrigerante, se não me engano.

Só o Natalício ficou de fora, cumprindo a nobre missão de assador. De vez em quando alguém botava a cara fora da porta e perguntava se já estava pronto. Diante da resposta negativa a porta se fechava e o Natal permanecia na companhia apenas das brasas e do churrasco, sem contar com o ventinho cortante. Ah! Por falar em cortante, ele tinha uma faca e um garfo, como convém a um assador que se preze. Não demorou muito e foi anunciado que o churrasco estava pronto, o Natalício trouxe aquela maravilha e dispôs numa bandeja sobre a mesa. Mais tarde, quando me mudei para a república descobri porque a carne era algo tão especial.

Curiosamente o assador não veio se sentar à mesa, continuou vigiando as brasas. Na sala a conversa pra lá de animada, todos falando de seus feitos e sonhos, bem como é de praxe em encontros de família, afinal era uma oportunidade para apresentar os novos integrantes. Até que em algum momento, quase no fim da refeição, a tia Odila sentiu falta de um franguinho, pois não se dava muito bem com carne vermelha. Ai ela se dirigiu ao dono da casa, o Leonildo neste caso, e pediu com uma finura e gentileza características:
– Será que não tem um franguinho?
O Leonildo saiu na porta e repassou o pedido para o Assador. Não demorou muito apareceu ele na porta com um espeto com uma coxa e sobrecoxa de frango.
– Ainda tem este. – sentenciou.
– Mas e o resto? – indagou o Leonildo.
-Ah! Eu fui beliscando enquanto assava. – respondeu o Natalício.

A roseta e as pitangas

No finalzinho do inverno, lá na encosta ao lado do estádio do “Sport Club Sanga Funda”, quase no que poderia se chamar de arquibancada. Se descortinava um belíssimo gramado que se estendia até a borda do mato acima onde vicejavam pitangueiras, guabijuzeiros, ingazeiros e cerejeiras. Uma paisagem deveras atrativa para crianças que praticavam a coleta de frutos silvestres após o almoço diariamente.

No entanto um dos empecilhos naturais afora a subida íngreme se espalhava pelo chão junto a grama. Eram as rosetas, cientificamente conhecida como Soliva pterosperma, tem como características básicas, crescer nos gramados, produzir muitas flores a consequentemente muitas sementes que tem um pequeno espinho voltado para cima, mecanismo de difusão da espécie, que se prende a um pé descalço, por exemplo para ser espalhada.

Resumindo: depois do caminho para a roça que passava ao lado do campinho tinha um potreiro que terminava num pequeno capão de mato na divisa com os Schiavinato, que tinha uma boa variedade de árvores frutíferas nativas. No entanto para chegar lá, em especial na época de pitangas tinha que se passar pelo gramado infestado de rosetas. Isto tornava a coleta de pitangas um tanto difícil, em especial para as crianças que não tinham calçado. Eu nunca tive este problema naquele lugar, pois sempre que íamos lá era no domingo e neste dia a gente saía de chinelo ou alpargata. No entanto os primos e primas que ainda não iam na escola, pois os que iam para a escola já tinham chinelos, só conseguiam ir às pitangas arrastando os pés e isso só valia até as sementes amadurecerem porque depois, bem! Depois era um inferno. Milhares de minúsculos espinhos de cravavam na sola dos pês dando uma dor terrível e depois uma coceira, a menos que…

A menos que o pai e a mãe resolvam ir tirar uma sesta apos o almoço, aí a gente pega os chinelos deles, vai comer pitangas e depois volta a tempo de devolver os chinelos ao lado da cama antes eles acordarem. Esta tática funcionou normalmente por um bom tempo até que um dia o chinelo da mãe ficou brincando e atrasou…
– Dove zê e miei cinele? Gritou a dona Pierina.
Passados alguns minutos apareceu a filha muito sem jeito.
– Mãe, eu vi que as chinelas da senhora estavam sujas aí aproveitei para ir na fonte lavar…

Visita dos primos isto foi antes desta história. Logo que o tio Achiles veio de Nova Palma.

Essa foi a nossa realidade por muito tempo calçado era um luxo para poucos a gente ia se virando como podia e os calçados passavam de mão em mão, ou melhor de pé em pé, até não dar mais.

Lá em casa não tinha pitangueira, mas tinha o arvoredo que também tinha a dita plantinha aí a criatividade tinha que imperar. O mais comum era fazer as pernas de pau de taquara. Se cortava duas taquaras de mais ou menos um metro e meio e depois, acima do primeiro nó se faziam dois furos um de cada lado e se travessava um “caitcho”, um pauzinho capaz de suportar o peso da gente. deixando uma ponta pra fora de uns dez centímetros e depois era só subir neles e ir andando. Outra técnica era a de furar as bordas do fundo de uma latinha e atar uma corda. aí a gente subia nas latinhas e com as mãos segurava a corda pra latinha não cair do pé enquanto caminhávamos.

A lamparina que rina

Hoje uma história do Leonildo

A lamparina

Era uma manhã de setembro de 1958 (o que só fiquei sabendo muitos anos depois), o sol ainda não havia despontado e uma leve neblina iluminava os campos cobertos de flores nativas, brindando os passantes com seu agradável aroma.

O canto dos pássaros que despertavam e o ringido das rodas do carro de bois, a querida “gaiota”, onipresente nos acontecimentos mais importantes, misturava-se ao som rítmico das patas dos bois batendo na vítrea estrada de terra vermelha.

Imponentes e fortes, os animais pareciam insensíveis ao peso da imensa carga que transportavam, como se tivessem consciência de estarem participando do destino da família e objetos que conduziam.

Sentado no banco de tábuas que beirava a “caixa” do carro, e, protegido de um lado por sua mãe e de outro por seu pai, um menino segurava firmemente um lampião, que seu pai fabricara com um vidro de “Phymatosan”.

Ao ritmo do som das patas dos bois, o menino balançava seus pés descalços, batendo levemente os calcanhares nas tábuas da carruagem. Tinha os cabelos cortados bem curtos, exceto uma mecha retangular que lhe pendia na testa. Suas calças, que cobriam a metade dos joelhos, eram de brim com listras longitudinais, e, suspensas por tiras do mesmo tecido, formando uma combinação harmônica com a camisa de “riscado”.

Enquanto o menino e os pais eram conduzidos pelo carro, os outros dois irmãos mais velhos seguiam a pé, agarrados à tampa de trás da “gaiota”. O momento era mágico e ninguém ousava pronunciar uma palavra. Enquanto a mãe pensava em como seria a vida na nova casa sem luz elétrica para iluminar as longas horas de trabalho noite-adentro, e o pai se preocupava com o árduo trabalho de arar as novas terras, o menino apenas “absorvia” o momento e cada vez mais fortemente segurava a lamparina.

Tão fortemente o menino segurou a lamparina, que ela lhe penetrou na alma, onde guardo cada vez mais viva a sua imagem, hora apagada em minhas mãos, hora acesa a iluminar as longas e agradáveis horas em que minha mãe, à sua luz, nos lia as revistas doadas pelos amigos que moravam na cidade.  

Leonildo Piovesan

31 de Março de 2001

Uno e altro tanto – Um conto de Natal

Muitas das tradições que cultivamos tem suas raízes perdidas na história e nem sabemos mais de onde vieram, assim acontece com a maioria das tradições natalinas, tem até quem diga que a data do nascimento de Jesus foi adaptada de uma tradição pagã. Algumas delas são tradições criadas pelo comércio, originadas nas tentativas de imitar outros estados em especial aqueles que tem muito poder por serem unidos. Não que aqui não sejamos unidos, a união é uma tradição e em especial na família Piovesan dizem que nos casamentos deveria se dizer “na saúde e na doença, na paz e na desavença, na fé e na descrença e por ai vai…”

Hoje tentarei resgatar um pouco da origem da tradição de decorar a casa com anjinhos sobre o telhado. Eu sei que meus leitores devem estar pensando que me enganei e deveria ser o papai Noel, não, não é o papai Noel, este é uma invenção do comércio de brinquedos. Anjinhos, bem, pelo menos um está citado na bíblia em Lucas 2:9, no entanto logo depois fala-se de uma multidão do exército celeste que cantava, mas não diz que eram anjos e nem quantos. Pelo sim pelo não, um temos certeza, está na Bíblia. Então porque na nossa tradição de família são cinco anjos? Teremos que voltar uns anos na nossa história, mais precisamente para 1964, o ano das grandes mudanças e revelações de nossa história. Por exemplo neste ano é que foi abolido o ensino da língua francesa nas escolas públicas, não tinha interesse comercial. Mas, voltemos ao que interessa.

Só para provar que não gostamos de seguir regras: Esta foto é de 1979 da direita para a esquerda: (-Viu como vou começar virado) Tio Pio, o marceneiro; Tia Clementina, a mãe; Tarcísio, com a Janine no colo; na segunda fila a Cecília; a Catia; e a Mercedes.

Se aproximava a data de comemorar o Natal, tradição já arraigada na cultura cristã ocidental, as famílias se organizam como podem para tornar a data festiva mais doce e alegre. Lembremos que as tradições comerciais ainda não estão presentes nas nossa famílias nesta época, até mesmo porque não tem dinheiro para comprar bugigangas mesmo.  Numa casinha humilde próxima a um barranco ao lado do rio Portela a santa Mãe cuida o bebê e com os poucos recursos procura fazer o máximo para festejar o Natal com a dignidade que a data merece, o pai, marceneiro, sim marceneiro não é o que estão pensando, carpinteiro era o pai de Jesus esta é outra tradição. Bem, em resumo: o pai estava trabalhando fora e a mãe se ocupava em preparar a festa de Natal. Naquele tempo ainda não tinha a tradição de peru, champanhe e outras. O Natal se celebrava da seguinte forma: A família toda ia para a missa do galo, aquela que é rezada a meia noite, a parte culminante da celebração, depois voltavam para casa, tomavam um chá com bolachas e iam para a cama. Como viram ainda não tinha sido institucionalizada comercialmente a ceia com fogos de artifício, peru, champanhe e outros quitutes que se usam atualmente. A preparação, na época, consistia em fazer as bolachas para o Natal com decoração especial, eram cobertas de clara de ovo batida em neve e salpicadas de açúcar colorido. Atualmente chamam de biscoitos de Natal, mas não são apreciados na ceia, deve ser porque é coisa de pobre. Vamos então ao que interessa:

A mãe preparava (os biscoitos) as bolachinhas de Natal, o bebê dormia no seu bercinho rústico, (na época rústico era necessidade e não moda) e os irmãozinhos brincavam na rua fazendo uma algazarra digna da família que não consegue ficar calada. Se alguém já bateu clara em neve a mão sabe o quanto demora e o tec tec repetido do garfo no prato chamou a atenção dos cinco, que pararam com a correria e se dirigiram ao interior da casa, mais ou menos como os reis magos, não em adoração ao bebê mas ao redor do prato do merengue. Por mais que a mãe se esmerasse para raspar tudo o que podia sempre restava um restinho que podia ser limpado com os dedos que seriam depois lambidos. Por algum tempo o silêncio reinou na casa e todos faziam o possível para serem notados como querendo ajudar a mãe, um embalava o bebê, outro organizava as bolachas em fileira nas formas,  outro ajudava passar o merengue, um espalhava o açúcar colorido e sempre sobrava um que tentava fazer uma das quatro tarefas. Até houve empurra empurra para tentar ajudar, as crianças dos sonhos de cada mãe, todos empenhados em aliviar seu trabalho, a mãe meio sem ter o que fazer pensava consigo: – Realmente criamos uns anjinhos.

No entanto, sempre tem um no entanto, as verdadeiras intenções dos “anjinhos” era lamber o prato do merengue e quando terminasse a tarefa. Prontas as bolachas começou a disputa e imediatamente cinco dedinhos indicadores começaram a limpeza do prato. Bem, não era exatamente limpeza, cada um queria era uma parte do merengue sobrado pala lamber. Não tardou muito e a disputa se transformou em briga, na briga o bebê foi esquecido e com a gritaria começou a chorar. No desespero a mãe foi atender ao bebê, se não me engano com dois meses e pouco na época, o único consolo para a Martinha foi oferecer o peito e pelo menos ela parou de gritar. Quanto aos outros a disputa continuava e o único argumento da mãe foi: – Esperem eu terminar de dar mamá pra Marta que vocês vão ver a varinha. Todos largaram o prato, como que por magia, que quase caiu no chão, e a desavença terminou também como que por magia. Uma tábua do barranco ajudou e todos foram voando para cima do telhado, lá como não tinha muito o que fazer e não dava pra correr, a saída foi aproveitar o tempo para cantar. Descer, nem pensar enquanto a promessa da mãe estivesse de pé.

Já findava a tarde, as sombras se espichavam e o sol tomava um colorido avermelhado… Ah! Eu ia me esquecendo. Na época não tinha horário de verão. Se aproximava a hora do pai chegar do trabalho mas os cinco não se deram conta disso. A promessa da mãe não durava muito ela era como que um anjo de perdão, conseguia perdoar até as maiores traquinagens de seus pupilos, mas o pai… Bem, o pai era outra coisa. Ele chegou do trabalho, não estranhou a ausência da criançada, pois estava acostumado que ficavam brincando na rua até tarde, mas perguntou por elas assim mesmo.

– Onde estão as crianças?

– Subiram no telhado para não apanhar. Eu prometi dar umas varadas para pararem a bagunça ai eles fugiram.

– Como assim?

Assim ficou sabendo da história contada pela mãe que ainda se atarefava com a lida de tirar as bolachas do forno e cuidar da bebê. A tarefa de dar as varadas foi assumida por ele que pegou a vara de rabo-de-bugiu e saiu da casa,  a cantoria cessara.

– Acho que agora nem vale a pena dar as varadas… – Disse a mãe.

– Não! Se prometeu tem que dar para eles saberem que estamos de acordo com a educação deles. – Olhou pra cima e disse:

– Zô tutti quanti, uno par uno!

Os cinco não tiveram opção, descer um por um a terra, encarrar a realidade… e começou a sequência:

– Uno e un tanto… Due e un altro tanto… Tré e altro tanto… Quatro e altro tanto… Cinque e altro tanto…

Assim a fila chegou ao fim sendo que o altro tanto era uma quantidade de varadas que cada um merecia.

Até aqui ficou claro que colocar os cinco anjinhos cantando sobre o telhado da casa no Natal é uma tradição que surgiu na nossa família.

Um colega meu, também estudioso das tradições cristãs, chegou a aventar a ideia que o cajado do carpinteiro do presépio é uma alusão ao rabo-de-bugiu, mas infelizmente não conseguiu provar. Ele partia da cena da mãe com o bebê e o pai com a vara na mão numa casa pobre com cinco anjinhos sobre o telhado cantando. De fato é muito parecida a cena mas não conseguimos elementos probatórios para afirmar que o presépio foi baseado nela.

De qualquer forma não temos dúvidas que a Elena, a Lucila, a Cecília, o Tarcísio e o Orácio costumavam subir no telhado, cantavam e faziam fila para apanhar. E segundo a tia Clementina eram uns anjinhos.

Tradição é tradição e não se fala mais nisso. Feliz Natal!

Encontro de família e a programação da máquina do tempo

Já se tornou um hábito achar um motivo para fazer uma reunião de família pelo umas duas vezes por ano. Pelo menos na dos descendentes do Lino e da Bazilides Piovesan. Os motivos, bem! Os motivos são pelo menos dois, tanto o pai como a mãe expressaram no leito de morte, o desejo que fizéssemos uma festa de família por ano, logo para satisfazer o desejo dos dois temos que fazer pelo menos duas. Nem sempre conseguimos reunir todos, mas quase sempre atingimos uma assiduidade da ordem de 94 a 97%, ou seja faltam apenas um ou dois descendentes. Além do motivo principal é claro tem os outros: se encontrar, por as histórias em dia, falar muito (esta é uma qualidade dos Piovesan), rir um pouco, fazer travessuras, rever os irmãos, primos, sobrinhos, etc., etc., etc…

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Para o aquecimento um futebolzinho

Eu já cheguei atrasado, o guarda do estacionamento só não me barrou porque eu era irmão do organizador da festa e cunhado da aniversariante. Ah! eu ia esquecendo este era mais um motivo para estarmos juntos. Bons dias, abraços, beijos, brincadeiras e já estava rolando um aperitivozinho, um tira gosto, degustação de butiás e jabuticabas da Leda, sem falsa modéstia, os butiás da casa dela são os melhores do mundo e ponto. Uma que outra criança aproveitava o campinho de futebol ao lado para correr atras de uma bola e eu absorto olhava a cena quando comecei a ouvir vozes…

  • Eu nunca fui bom jogador, nunca gostei muito de futebol…
  • Eu também não.
  • Eu joguei algum tempo de goleiro…
  • Eu gostava de ir aos torneios de caminhão…

Não me contive e me voltei para trás, de onde vinham as vozes e acrescentei;

  • Eu tinha posição fixa, era marrecão.
  • Marrecão tio! O que é isso?
  • É uma longa história, do tempo que os campos de futebol do interior ficavam nas várzeas perto de banhados…
  • É daí que vem a expressão futebol varzeano?
  • Sim! Mas esta é uma história muito longa que eu vou contar outro dia… <leia aqui>
Com a mamãe de piloto
Escorregando no talude com um papelão

Dei corda na minha máquina do tempo, claro tenho que explicar o que é dar corda, a expressão significa carregar a bateria de energia mecânica que faz a máquina funcionar, pois bem! Dei corda na minha máquina do tempo e programei para retornar uns cinquenta anos. A programação da máquina é muito simples, instantânea, basta que uma imagem coincida com alguma guardada na memória e pronto. Além de instantânea a programação começa a vasculhar outras imagens do mesmo arquivo e pronto. Voltamos dez, vinte, cinquenta, ou até mais anos em uma fração de segundo. Eu mesmo já tenho voltado até mais de sessenta anos com esta máquina maravilhosa.

Voltei apenas cinquenta anos, acho que era o Ipiranga jogando com um time de Tiradentes. As moças de família gostavam de ir ver o futebol, pois naquela época era uma das poucas oportunidades de ver um rapaz de pernas de fora. Como eu não jogava nada não tinha este privilégio dos jogadores e por conseguinte não tinha a admiração das moças. Que chato! Mas eu era o marrecão, um piá levinho, magricelo, que conseguia correr por sobre os capins do banhado pra buscar a bola quando um fortão chutava um pouco mais forte e o goleiro não pegava. Lá ia o marrecão quase flutuando sobre o banhado e em alguns instantes a bola estava novamente em jogo. O bom da história é que lá no campo do Ipiranga o marrecão tinha uma vantagem: no banhado tinha muito guamirim e as moças gostavam de guamirim, só que depois de um ou dois jogos não havia mais nada ao alcance dos mortais comuns, só o marrecão conseguia chegar até as arvoretas com belos cachos de frutas maduras, aí as moças começavam a olhar para ele.

  • Bah! Não é pra esta história que eu queria voltar.
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… tinha que fazer uma ginástica para ficar sobre o papelinho.

É que no talude do campo de futebol algumas pessoas escorregavam com um papelão sobre a grama. Esta história é de uns cinquenta e cinco anos, como a chuva andava escassa a grama estava bastante seca e lisa e permitia um belo esporte, escorregar morro abaixo com uma casca de coqueiro, um pouco semelhante a brincadeira do talude, a lá fui eu. O papelão poderia ser grande o suficiente para uma criança de cinco ou seis anos, mas a máquina do tempo não nos

de carona com piloto experiente
de carona com piloto experiente

diminui, tive que me encolher o que deu para ficar sobre o papelão, mas a descida foi um sucesso. Em pouco tempo o número de crianças a escorregar aumentou que deu pra fazer fila, tinha piá dos dois aos sessenta e dois anos brincando, alguns mais inseguros andavam em duplas com um piloto experiente na frente, outros andavam em grupo, que tarde divertida!

Enquanto isso rolava uma partidinha de futebol dos sem camisa contra os com camisa, bem como naquela época, ao mesmo tempo alguns que não entraram nestas brincadeiras aproveitavam o tempo para o esporte preferido da família, contar histórias.

Além de todos os motivos citados acima num encontro como este descobrimos novos destinos para a nossa maravilhosa máquina do tempo.

O viajante já está dando corda, em breve partiremos para outros destinos…

Se beber, NÃO!

Epílogo

O sol já estava quase no seu ocaso, as sombras compridas desenhavam riscos brancos e pretos no chão, no gramado da frente da casa, os palanques das velha cerca com suas sombras formavam um desenho simétrico e organizado, enquanto as sombras das árvores destoavam um pouco. O filho com a roçadeira ia emparelhando e endireitando as sombras que se projetavam sobre o gramado. O pai e a mãe que saíram para a vila logo após o meio dia ainda não voltaram, a espera é como todas as outras. Um ruído um pouco estranho, no entanto, quebra a monotonia daquele entardecer. O velho corcel que vem tossindo lomba acima dá seu último suspiro e morre ao subir a rampinha da entrada da morada. O Leonidas deita de lado a roçadeira e vai ao encontro do velho corcel ano 1972, parado, que traz em seu interior o pai e a mãe que retornam da Vila Trentin onde havia missa naquele sábado à tarde. O pai tenta mais uma vez dar partida, mas a bateria não carregou o suficiente, as luzes ainda ligadas ostentam um brilho amarelado pálido e se apagam a cada nova tentativa de partida.

– Lani dá um empurrãozinho para fazer pegar no tranco. – grita o pai com a cabeça fora da janela.

O Leonidas se aproxima do carro, olha para dentro, e não vendo a mãe pergunta?

– Pai, onde ficou a mãe?

Só então o pai olha para o banco do caroneiro e percebe que a Bazelides não está lá e responde:

– Não sei.

O Lani então espicha o olhar para a estrada que se perde na curva após o direitão do tio Luís, e lá vem a mãe, a pé, já quase de língua de fora…

 

Prólogo – é o que acontece antes da história.

Devido a escassez de padres cada paróquia, e Jaboticaba não era exceção, só tinha um padre, e como o número de capelas é grande, o vigário se vê obrigado a fazer suas visitas pastorais até mesmo fora do dia do Senhor, o domingo. Nestas circunstâncias a capela dos Três Mártires, exatamente neste dia, tinha sua missa semanal no sábado à tarde. Para os cristãos católicos isto não era um problema desde que a obrigação da missa dominical passou a ser considerada em qualquer dia da semana. E, por conta disso, o casal saíra após o meio dia do sábado para cumprir a obrigação dominical.

A missa, independentemente do dia da semana em que era celebrada, tinha uma conotação religiosa e social, pois estando os filhos de Deus reunidos para a missa não custava ficar mais um pouco após ela para celebrar o encontro, a vida social. Esta segunda celebração podia ser um encontro de comadres para visitar uma amiga enferma, conhecer o nenê de outra, tomar um chimarrão, visitar uma idosa, até algo mais profano como atualizar os assuntos do momento. Entre os marmanjos o mais comum para os mais jovens era jogar um futebolzinho e entre os mais experientes caia sempre bem um carteado, muitas vezes acompanhado de uma ou umas rodadas do liso de purinha, outras vezes de biter amargo com conhaque ou até mesmo de um garrafãozinho de vinho, tudo dependia das circunstâncias.

No nosso sábado em questão a missa foi celebrada às 13 horas, uma solicitação da comunidade para possibilitar o convívio social no restante da tarde. Depois disso algum tempo de conversa com os amigos, saudar aqueles que chegaram atrasados e partir para a socialização.  O bar do Mauri fica bem perto da capela, é fácil ir lá, para os que vêm de carro até dá para deixar estacionado no pátio da capela, é o destino daqueles que praticam o carteado, trissete, cinquilho, bisca, pife ou canastra. E é claro, para ser completo com um traguinho pra molhar a garganta. Os mais jovens desaparecem rumo ao campo de futebol e todos os carros cochilam sozinhos a espera de seus condutores no pátio da capela. Todos não, o corcel marrom ano 72 está de olhos bem abertos, digo os faróis acesos.

O seu Lino vai até o bar em companhia do Gregório, do Valdomiro, do Elso e mais uns amigos para umas rodadas de cartas. A Bazelides vai com algumas amigas e primas visitar a tia Santina, assim passa a tarde, depois da missa continua o preceito bíblico, “onde dois ou mais estiverem reunidos…” O sol já cansado daquele dia comprido de início de verão se esconde, as vezes, por traz das nuvens, mas reaparece de novo mais tarde. Finalmente se escondeu por um tempo por trás das copas dos timbós do pátio da capela e reapareceu de novo, vermelho de vergonha, por entre os troncos das árvores. É hora de ir para casa, dona Bazelides se despede das primas e da tia e se dirige ao estacionamento, não sem antes passar pelo bar do Mauri para chamar o “pai” que se entretém com o baralho espanhol e um liso de pura.

Ele é obediente a não espera a rainha do lar chamar duas vezes, termina a rodada e se levanta, ou melhor se põe de pé, vai até a porta, meio duro “das cadeiras” por ter ficado muito tempo sentado. Pelo menos é o que ele diz. Saem os dois abraçadinhos, que lindeza.

Dali até o carro não é muito longe e o ombro da esposa é uma escora e tanto para contrabalançar o desequilíbrio da cachacinha sorvida durante o jogo. A “mãe” abre o carro e ele se aboleta atrás da direção, ela também embarca à direita do “pai”.

– Guuu, cof, cof! – diz o corcel quando o motorista tenta dar a partida. Mais uma vez:
– Guuu, cof, cof! e nada, as luzes ligadas acabaram a bateria.
– Mãe! Dá um empurrãozinho para fazer pegar no tranco.

A mãe desce e se põe a empurrar o veículo ainda bem que é meio ladeira.

– Crank, gruuuu, gruuu, – diz o corcel desta vez, e se põe a caminho de casa.
– Lino! Liiiino! – grita a mãe.

Nem o corcel nem o Lino ouviram os gritos dela, já estão a caminho de casa. Sem alternativa ela se põe a caminho, desta vez a pé, é um belo quilômetro de caminhada.

 

Epílogo do epílogo

– Não sei… não sei mesmo Lani.
– Pai tu esqueceu a mãe la na vila!
– Ah! Ela foi empurrar o carro pra pegar no tranco e não embarcou depois.
– Pai, o que é isso? Andou bebendo e passou da conta.
– Não! Só foi uns traguinhos…

Casa com o paiol ao fundo.

Casa com o paiol ao fundo.

Nisso a mãe já está chegando, o Lani dá um empurrãozinho pro carro pegar e desta vez vai até o meio do pátio. O motorista desce, apesar da falta de equilíbrio e desta vez é novamente apoiado pela esposa dedicada, só que desta vez não é na direção da casa…
– Mãe! Esta é a direção errada.
– Não, a direção errada foi quando me deixou lá na vila, por causa disso hoje vai dormir no paiol.