Esta é uma contribuição do Leonildo.
Seu Lino era um homem de bem com a vida e querido por todos os moradores da vizinhança, onde era conhecido como “veterinário” apesar de ter cursado muito mal o quinto ano primário.
Sentia prazer em cuidar dos animais e só entrava em casa quando a noite já ia adiantada, depois de tratar e recolher toda a bicharada ao estábulo. Fazia isso com muita alegria assoviando em alto timbre que no silêncio da noite, cortada apenas pelo mugido das vacas, podia se ouvir a quilômetros de distância.
Não havia dia em que alguém não o fosse buscar para tratar de algum animal pesteado, e, não foi diferente nesta noite chuvosa de sexta-feira do ano de 1964.
Eram aproximadamente nove horas da noite e Seu Lino recém havia entrado em casa. Os meninos liam histórias, sentados ao redor do fogão a lenha, enquanto Dona Bide preparava o jantar. Foi nesse momento que alguém gritou:
– Oh de casa!
Seu Lino ralhou os cachorros e abriu a porta para o “Seu” Adão, que entrou assustado, quase perdendo o fôlego.
– Seu Lino! É um caso muito urgente para o senhor resolver!
– Alguma vaca “empanturrada”?
– Não Seu Lino, é a vovozinha.
Vovozinha era a avó materna do Seu Adão, que nessa época já perdera as faculdades mentais e com elas a conta dos anos de idade, mas falava-se que andava pela casa dos noventa anos e, para os familiares, era apenas “fraca da ideia”.
– Mas Adão, isso não é caso para veterinário, tem que levar pra cidade, recomendou Dona Bide, parando de mexer a polenta que preparava.
– Não tem jeito Dona Bide, se levar ela “pra fora” ou chamar um médico ela morre. Ela está engasgada com um osso de galinha que engoliu quando tomava uma sopa. Tá muito mal, morrendo asfixiada.
– Prontamente!
Falou o especialista das ciências dos animais, usando o termo que era sua marca registrada quando se prontificava a atender a um chamado, já pegando sua sacola de couro com os apetrechos para os tratos veterinários e enfiando seu Ramenzoni na cabeça.
– Vamos logo compadre, porque já vi muito bicho morrer engasgado por não ter sido socorrido a tempo! -Sentenciou o “veterinário”.
Correndo atravessaram as lavouras para ir mais rápido, e, não foi com esforço, porque naquele tempo, Seu Lino estava na plena forma de seus quarenta e poucos anos e acostumado a correr atrás dos bichos. Assim em três ou quatro minutos chegaram à casa do Seu Tatão genro da velha, com quem ela morava.
O reboliço estava formado.
Uns rezavam, outros batiam nas costas da velha e a filha chorava num canto, enquanto a pobre vovó se debatia tentando respirar, sem entender o que se passava com ela.
– Deixem comigo!
Ordenou o veterinário afastando os familiares.
– Me arrumem uma banha!
E tirando o facão, que sempre carregava na cintura, correu para uma touceira de bananeiras, onde cortou uma folha que foi logo pelando o talo. Arredondou a ponta, passou na banha e pediu a ajuda dos familiares que, desesperados, mas confiantes, agarraram a senil vovó enquanto forçavam-na a abrir a boca.
Seu Lino, com o mesmo cuidado que tinha para com os animais, foi cuidadosamente enfiando o talo de bananeira na garganta da moribunda vovó e graças à sua destreza e habilidade de mestre, em poucos segundos deslocou o osso garganta abaixo, livrando a velha da morte por asfixia.
– Feito o serviço!
Declarou o especialista, dando o assunto por encerrado. Todos respiraram aliviados principalmente a vovó. Então o Seu Lino concluiu:
– Mas se o osso trancar no outro lado, chamem um médico, porque aí o caso não é de minha competência!
Sentenciou o “doutor”, arrancando risadas da platéia aliviada, graças a mais uma intervenção feita com sucesso pelo Seu Lino.
Nota: esta história é verdadeira e Seu Lino é o pai do narrador.
