Abraço de tamanduá

Corria o ano de 1910 tranquilamente o quinteto de irmãos Bepetto, Ângelo, Toni, Valentin e Augustinho aproveitavam a entrada do inverno, quando a bicharada fica mais lenta por causa do frio, para perambular pelos matos e peraus. A vantagem de morar perto da floresta estacional semidecidual, isto é aquela onde algumas árvores derrubam as folhas no inverno, era que no inverno era mais fácil de circular pelo meio da mata e também mais fácil de encontrar animais. O Bepeto já tinha quatorze anos e o menorzinho o Augustinho já ia fazer seis e já acompanhava a trupe, porque não queria ficar em casa com a mãe gravida, a irmã e os menores o Guido e o Francisco. De qualquer forma as atividades não eram lá muito perigosas para uma criança, não tinha grandes animais ferozes nos matos daqueles peraus do vale do Portela. Certamente o Valentin e o Augustinho tinham certas dificuldades para subir em árvores pelos cipós, mas isso não era o problema quando se tratava de alguma caçada.

Peraus da costa do Portela mais de cem anos depois ainda  cobertos de mato

Peraus da costa do Portela mais de cem anos depois ainda cobertos de mato

Domingo de manhã o Giovanni levantava cedo para percorrer a pé os quase dois quilômetros para cantar a missa. A filharada ia de tarde para a catequese, pelo menos os três mais velhos. Neste contexto eles aproveitavam para fazer uma saída aventuresca na parte da manhã enquanto o pai não estava em casa. Uma atividade bastante divertida era (castrare le bisse), castrar as cobras. Isso mesmo, eles chamavam assim a atividade de pegar as cobras com uma taquara apertando levemente logo atrás da cabeça, depois um deles pegava a cobra bem pertinho da cabeça de tal forma que ela não conseguisse se virar e morder. A cobra abria a boca tentando morder e outro cortava a parte de baixo, a mandíbula, da cobra que era solta e saia se debatendo desesperadamente. Isso era feito para que a cobra não pudesse morder mais ninguém, segundo eles desta forma não matavam a cobra e eliminavam o perigo.
Quanto aos bugios a coisa era diferente, pois destes eles nem conseguiam chegar perto, quando se aproximavam os danados faziam as necessidades fisiológicas na mão e atiravam nos agressores, e o cheiro não era nada bom. Por um lado era muito engraçada a estratégia de defesa, por outro isso dava uma boa ideia, mas deixa pra lá essa é outra história. Quando a saída é para caçar tem que trazer algum animal para casa e nem cobras nem bugios eram boas ideias. Sobrava os tamanduás, só que os tamanduás tinham garras afiadíssimas que podiam matar uma criança como eles caso desse um “abraço de tamanduá”.
Quando um tamanduá é agredido ele de apoia na cauda e patas traseiras, levanta-se como se estivesse de pé, abre os braços e quando o agressor se aproxima joga-se contra ele abraçando-o fortemente e cravando as unhas (garras) nas costas do agressor, podendo matar até mesmo um animal bem maior do que ele. Mas como falei anteriormente era frio e nesta época todos os animais ficam mais lentos, inclusive os tamanduás.
Grandes conhecedores dos hábitos e costumes dos animais selvagens, porque conviviam mais com estes do que com outros humanos, os irmãos Piovesan desenvolveram técnicas especializadas para a captura dos mais diversos animais que viviam nos matos e peraus que frequentavam. Uma era para tamanduás.
A técnica exigia um ferramental específico: uma taquara com uns dois metros ou mais e um toco de madeira, meio apodrecida, de mais ou menos um metro de comprimento por uns 25 centímetros de diâmetro. A estratégia consistia em provocar o animal com a taquara, cutucar, assim ele assumia a posição de defesa que na verdade era a posição de ataque. Fazendo bastante barulho eles, menos um, ficavam na frente do animal provocando-o até ele ficar no ponto de atacar. O Piovesaneto que não ficava provocando o bicho fazia uma volta por trás sem ser notado carregando o toco de madeira, num determinado momento, que eles conheciam por experiência o toco era passado sobre a cabeça do animal e colocado em sua frente. O tamanduá agarrava-se firmemente no toco cravando suas garras e ficando preso.
A piazada então tomava o caminho da casa, carregando o toco com o tamanduá, inofensivo por estar abraçado firmemente ao toco. Isso é um abraço de tamanduá.