Logo depois do golpe militar de 1964, a pacata família do tio Achiles viveu um fato inusitado, o Vicente, com 10 anos na época, resolveu fazer greve de fome.
Primeiro precisamos conhecer um pouco melhor o Vicente da época, depois vamos a história. O Vicente já estava no terceiro ano de escola, isso não significava no terceiro ano, pois ele tinha uma metodologia bastante diferente de estudar. Também, por ter o espírito revolucionário nem sempre ficava na aula, gostava de sair pela janela quando era posto de castigo, depois ameaçava os irmãos para não contar nada em casa, isso lhe dava tempo para meditar, enquanto esperava os irmãos. Porque se chegasse antes dos outros em casa a cinta pegava, se bem que ele estava razoavelmente acostumado com a cinta, pois era “dispetoso come le cabre” como dizia o tio e padrinho Lino.
Como vimos ele tirava tempo de aula para meditar escondido enquanto esperava os irmãos que voltavam da aula. Sabemos que era filho de pais muito religiosos, como é comum na família Piovesan. Por outro lado era bastante criativo o que o tornava um verdadeiro artista, vivia “fazendo arte” e era reprimido quando fazia isso, daí a encontrar métodos criativos para chamar a atenção foi um passo. Não sabemos se foi por motivo religioso ou profano, mas…

Na foto de 1957 de cima para baixo e da esquerda para a direita: Mariazinha, Antoninho, Joãozinho, Vicente e Neli do tio Achiles, depois Eu (Liceo), Leonildo e Leo do tio Lino.
Um belo dia, numa segunda-feira, provavelmente para evitar um castigo, o Vicente declarou-se em greve de fome, iria parar de comer por prazo indeterminado. – quem me contou a história foi o Leo, que trabalhou lá no tio por algum tempo. No primeiro dia tudo transcorreu normalmente – era um capricho de criança, quando bater a fome ele desiste. Só que, se foi o primeiro dia e o Vicente continuava firme em seu propósito. Hora do café do segundo dia o vivente não apareceu.
– Vamos ver se ele aparece para o almoço – dizia a tia Pierina, esperançosa que a brincadeira acabasse.
Chegou o meio dia, todos se reuniram para o almoço, que estava uma delícia, segundo o Leo, e o Vicente passou perto da mesa e se foi… era apenas o segundo dia todos ainda pensavam vamos ver no que vai dar. Chegou a hora da janta e o grevista se lavou e foi direto para a cama, aí o clima começou a esquentar. As conversas depois da janta giraram em torno do assunto.
Bem! Segundo os evangelhos Jesus teria jejuado por quarenta dias, e vencido a tentação, João Batista também fizera proeza semelhante, período em que se alimentou de gafanhotos. Foi aí que um dos irmãos levantou a hipótese que isso até poderia ser bom se ele comesse os gafanhotos e vencesse a tentação seria ótimo para todos, mas o tio não gostou nada da brincadeira e quase pôs de castigo o autor da ideia. Mas como não poderia deixar de ser, depois da oração da noite foram rezadas três Aves-Maria, na intenção de afastá-lo da loucura.
Quarta-feira ele nem apareceu para o café, levantou e sumiu, na família a situação já começava a se tornar preocupante, o Vicente participava de tudo com a maior naturalidade, mas desaparecia nas horas das refeições. O tio teve então uma atitude bem coerente com os Piovesans, – Quem sabe uma reza ou uma benção do padre? E lá se foi o tio Achiles para a missa, no meio da semana. Pediu uma intenção especial na missa, rezou e cantou com fervor e voltou para casa com a consciência do dever cumprido. Foi para a roça e voltou como de costume ao meio dia para o almoço, mas o milagre ainda não aconteceu, o grevista nem apareceu na cozinha. No fim da tarde a cena se repetiu, o Vicente direto para a cama e os outros inquietos. – Como ele está aguentando? Desta vez foi um terço inteiro…
Quarto dia de greve. Tudo se repetiu como nos dias anteriores e o dia transcorreria normalmente se não fosse um pequeno incidente matemático, quando a tia Pierina foi pegar o pão para o café observou que restavam apenas dois. Ela fazia sempre sete pães, um para cada dia da semana, no sábado. Dessa vez somente tinha o da quinta-feira e o da sexta, faltava, portanto um. Serviu o café e ficou remoendo a história intrigada, ao meio dia como já era de se esperar o Vicente passou pela cozinha e sumiu. Foi então que a tia comentou o caso da falta do pão, aí o Leo e o Toni saíram para procurar o Vicente para ver onde tinha se metido.
Depois de darem umas voltas ao redor da casa, encontraram o grevista na beira do rio molhando um pedaço de pão na água com uma mão e com um pedaço de salame na outra. Assim terminou o episódio da greve e ficou esclarecido o sumiço do pão.
Passado algum tempo o Vicente foi morar com o padrinho para ver se endireitava… (em breve)