A bicicleta do padre João

Mais um  pedaço da vida do Lino

Trabalhando na sociedade juntamente com os cunhados, o sogro, a família do tio Antônio Trentin e o patriarca Serafim Trentin e a nona Rosa, tendo como vizinhos seu Artur Oliveira, Ângelo Fassini, Atílio Zanon pertencentes à nova comunidade de italianos que se radicaram no local, o Lino começava mais e mais aumentar seu circulo de amizades em função de seu cuidado com os animais, mas apesar de tudo isso ainda não tinha um cavalo para montaria, as opções para se deslocar um pouco mais longe eram a gaiota de bois, eficiente mas bastante lenta, a aranha com cavalo do sogro ou as famosas bicicletas de pau, comuns para todos os jovens de menos de 40 anos na região.

Esta é uma réplica das famosas "bicicletas de pau" feita pelo tio Ângelo Chierentin, em 2007, especialmente para mim em reconhecimento pela preocupação em conservar a história.

Esta é uma réplica das famosas “bicicletas de pau” feita pelo tio Ângelo Chierentin, em 2007, especialmente para mim em reconhecimento pela preocupação em conservar a história.

A bicicleta de pau era uma grande auxiliar nas caminhadas, sem pedais apenas podia ser montada lomba abaixo, e dependendo das condições da estrada corria a canhada toda e até podia subir uma parte da lomba do outro lado, movida pela inércia, depois era empurrada lomba acima até o topo onde começava um novo ciclo. Era o meio de transporte mais comum entre os italianos para se deslocar para outras capelas nos domingos de festa. Pequenas distâncias como da Vila Trentin a Jaboticaba uma hora de caminhada se transformava em menos de meia hora de bicicleta, logo podemos ver a vantagem do uso desta tecnologia. Parece loucura usar um veículo que só anda lomba abaixo, mas a verdade é que foi muito útil naqueles tempos, no entanto a verdadeira loucura ainda estava por acontecer…
A bicicleta do Padre João
Aqui precisa se abrir um parêntesis para um primo, quase um irmão mais velho para o Lino, o padre João Piovesan. Nas férias de fim do ano de 1953, o seminarista, já quase padre, João Justo Piovesan empreendeu uma pequena aventura que precisa ser registrada para que se possa continuar a história. Ele se preparava para visitar os pais e irmãos em Frederico Westphalen, numa última viagem antes de sua ordenação. Na época o transporte disponível era o trem de Santa Maria até Santa Barbara e depois tomar o ônibus “Ferroviário” até Frederico. O dito ônibus fazia a linha de Santa Barbara a Iraí, duas ou três vezes por semana, quando conseguia vencer os atoleiros. Conta-se que muitas vezes passava dias sem aparecer devido às más condições das estradas, neste caso se cumulavam passageiros esperando em Santa Barbara, quando saía superlotado, demorava mais uns dias para aparecer. Esta era a opção de transporte do jovem diácono João Piovesan, talvez ele tenha pensado em fazer o trecho a pé, poderia ser menos demorado, no entanto ele optou por uma outra solução: uma bicicleta Goricke, 1951, seminova, negócio de ocasião, que o padrinho, o tio Antonio (toni Torchio) deu de presente na ordenação diaconal, economizaria a passagem trem-ônibus, faria um belo esforço mas ganhava a liberdade.
Pelo caminho alternativo: Cruz Alta-Condor-Palmeira das Missões, ficava apenas 290 quilômetros, hoje se faz de carro em pouco mais de três horas.
Na ocasião o João Justo preparou a mochila com algumas roupas, pacotes e mais pacote de publicações como: Revista Rainha dos Apóstolos, calendários religiosos e Anuários Católicos, e pôs o pé na estrada, ou melhor, no pedal da Goricke aro 28 rumo a ao Baril, nome de Frederico Westphalen na época.
À medida que o caminho era percorrido o aventureiro ia fazendo amigos e vendendo livros, revistas e fazendo assinaturas, também a mochila ficava mais leve compensando o cansaço dos dias pedalados. Em menos de três semanas estava na casa dos pais curtindo as merecidas férias, infelizmente deveriam ser abreviadas em umas três semanas devido ao transporte escolhido. Lá no Baril, descobriu que em seu caminho tinha passado a menos de dois quilômetros da casa do primo Lino, o filho do tio Antoninho. Na volta não podia de deixar de fazer uma visitinha. Calculado o tempo de volta, pé na estrada de novo, e desta vez com uma parada obrigatória na Vila Trentin, que na época ainda não tinha nome, era um vilarejo pertencente ao então distrito de Seberi, próximo da capela de Jaboticaba. O ponto de referência para localização era a parada de ônibus, mais ou menos uma estação na esquina da Boa Vista, na bodega do seu Possidônio Padilha. Beleza! Era só ir pedindo de bodega em bodega até descobrir a do Possidônio e lá pedir informações. No segundo dia de volta já estava na casa do primo, recebido com honrarias dignas de um santo, como acontecia sempre que um padre visitava a comunidade. Apesar de ainda não ser padre pouco importava, sempre era uma honra ter um homem de fé como visita.
A narração da aventura da viagem causou um enorme impacto, mas mais do que isso, uma bicicleta que podia andar lomba acima, com certos limites, é claro, mas podia. Foi aí que terminou a aventura ciclística do João Justo, o primo apaixonou-se pela bicicleta, juntou os trocados, “trenta fiorini”, e comprou a bicicleta, provavelmente a primeira bicicleta de ferro do município de Palmeira das Missões. Agora os pés do Lino criaram asas! Podia ir a Jaboticaba em quinze minutos, as distâncias encurtaram. Saindo cedo dava pra ir num domingo até a Guabiroba, hoje São Pedro das Missões, pela estrada da cordilheira, encomendar um par de botas no Zandoná e voltar no mesmo dia.

Esta história é fundamental para entender o apelido “Tio Lino” que meu pai ganhou alguns anos mais tarde. (ela vem aí)

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