Para quem nasceu e se criou na roça sabe muito bem que desde criança sempre tem um servicinho para fazer. Na roça se trabalha de segunda a sábado, mas algumas tarefas são de segunda a segunda. Ou algum de vocês já experimentou ficar um dia sem comer, é claro que algumas práticas cristãs sugerem ocasionalmente dias de jejum, mas eu não conheci nenhum porco, vaca, boi, cavalo ou outro animal cristão e adepto desta prática. Logo, folga somente se tem dos trabalhos da lavoura nos dias de chuva, quando não dá para trabalhar na capina, plantio, colheita ou outra tarefa.
Uma prática comum, em dias de chuva, lá em casa, era selecionar o milho no paiol, descascar e debulhar milho para a moagem, afiar as ferramentas ou, a melhor das tarefas em dias de chuva, ir pescar. Tem cada história de pescaria que daria um livro só delas. Até aqui estou descrevendo o que os filhos do Lino faziam na sua infância e juventude. É claro que aprendemos com ele esta rotina, e ele certamente aprendeu com o pai dele, o nono.
Vejamos um exemplo: chove a noite toda, no outro dia a gente não pode carpir, pois a terra está muito molhada, segunda opção “rastolhar” o milho no galpão, Uma atividade divertidíssima: limpa-se dois cantos do galpão e começa a brincadeira. As espigas bonitas, bem fechadas, são atiradas para um dos cantos, elas vão durar mais tempo antes de criar carunchos, serão o milho principal aquele que deve durar até a nova safra, servirão de semente e de reserva. As espigas com palha aberta e os “restolhos” aquelas menores e não bem formadas vão para o outro canto para consumo imediato. O início do trabalho até que é meio chato, mas a medida que o monte de milho a selecionar começa a diminuir entram em cena os cachorros e os gatos – isto mesmo – os cachorros e os gatos, pois sempre tem algum camundongo que se esconde no meio do milho, e a medida que o monte de milho diminui eles vão ficando encantonados e começam a fugir, aí entram os cães e gatos na caçada. É muito divertido, é uma tarefa para dia de chuva.
Na nossa história tudo isso já tinha sido feito e continuava a chover, então a opção é ir pescar. Neste caso sempre é agradável a companha de alguns primos: O Orlando, o Eliot, o Qiude Zanon e por aí vai, vizinhos também vale. Uma boa prática é começar perto da usina Franciscana (hoje CELETRO) e ir se deslocando rio abaixo, até perto dos Dalla Nora. Neste trajeto dá pra fazer uma boa pescaria, é claro que às vezes tem alguma melancia nalguma roça perto do rio, ou um milho verde pra assar. E se der sede, bah! A água do rio está suja devido à chuva então a saída é procurar alguma fonte nos barrancos e tomar a água com um canudinho de taquara. O canudinho de taquara é de grande utilidade, pois permite que se beba água de um lugar quase inacessível de outra forma, como faziam os bois do Lino nos campos de Palmeira onde as fontes d’água são profundas.
Outra utilidade do canudinho é tomar “graspa” do “garrafonetto” do Toni pela fresta na parede do galpãozinho. Só que às vezes o canudinho (cannutcho) caia dentro do garrafão, mas isto não era problema, pois tinha bastante taquara por perto e a gurizada sempre levava consigo alguma ferramenta de corte como canivete ou “brítola”. Pronto agora já sabemos como a “graspa” do Toni foi transformada em “cannutchi”.
Restolhar – Separar as espigas pequenas e abertas do milho guardado no paiol.
Brítola – Canivete em forma de foice muito comum entre os descendentes de italianos.