“Solo canucchi”

A primeira história que sugere o apelido carinhoso de “Toni Taquara” é a de “Ver as horas no milharal” outra história que reporta ao apelido, tem suas raízes num galpãozinho que tinha atrás da casa perto do rio, onde o nono guardava suas cachacinhas e “graspas” preferidas. Aqui vai a primeira parte…
Muito religioso, o seu Antônio Piovesan costumava receber periodicamente os padres em sua casa, quando não era o vigário da Nova Palma, era algum padre Palotino, muitas vezes o padre e seus amigos, o bispo ou alguma outra autoridade religiosa que vinha para a paróquia, enfim, sempre que o vigário recebia alguma visita importante era praxe fazer uma visitinha ao Toni, que sempre se destacou como homem de fé, eu tinha digitado fá, aí me dei conta que poderia ser mesmo fá, sol, lá ou qualquer outra nota. Falando em nota me lembrei do valor, enfim, ter um paroquiano como ele não tinha preço para qualquer vigário que passou pela paróquia da Santíssima Trindade de Nova Palma. Está explicado, visita-lo era uma espécie de coroação de uma visita religiosa à paróquia. Era visitar um exemplo de cristão que fazia tudo com tanto amor capaz de consagrar qualquer ato cotidiano, por mais banal que fosse, até mesmo um jogo de chinquilho com os amigos ou padres num final de tarde de domingo.

Não sei bem precisar as datas, pois ouvi esta história de meu pai, o Lino.

Num domingo à tarde, foi num domingo que havia crisma na paróquia, estando o bispo muito ocupado designou para a missão, se não me engano, o Monsenhor Vitor Batistela, recém sagrado monsenhor. Na missa da Crisma tudo ocorreu com a maior naturalidade, como tudo o que acontecia na paróquia, a missa, a cerimônia da crisma, o canto… ah o canto, para os paroquianos e para o vigário tudo era perfeitamente normal, como acontecia todo o domingo, fosse festivo ou não, aliás em Nova Palma todo o domingo é festivo, por isso tudo foi normal. Menos para o monsenhor, nada pareceu normal, a afinação do coro, com a beleza das vozes, enfim, tudo parecia fruto de muito ensaio e preparação, tudo parecia perfeito. No final da Missa ele não pode deixar de fazer elogios à fé e ao fervor dos paroquianos e, é claro, dando um destaque especial ao coro, foi então que o vigário sugeriu uma visita ao regente do coro após o meio-dia. Não precisou nem formalizar o convite que foi aceito imediatamente tanto pelo monsenhor como pelo seu séquito.
Depois do almoço, respeitada a hora da sesta, todos se dirigiram à casa do Toni, que já estava esperando com um bom vinho, cartas para um chinquilho e alguns vizinhos para companhia, o Bertoldo, o Dalla-Nora, e o cunhado Aurélio Zanon. Uma visita destas era uma oportunidade para comemorar, afinal não é todo dia que vem um bispo, ou quase, na casada gente. Depois de um copo de vinho e algumas rodadas de chinquilho, o tio Aurélio Zanon começou a falara das habilidades do cunhado na preparação de licores especiais. Tudo destilado num alambique rudimentar feito com o panelão, uma tampa de zinco e um cano de cobre, mas com sabores indescritíveis, claro, eram feitos por um artista das bebidas destiladas, nada mais nada menos que o cunhado, o Toni.
A esta altura o “vesco”, que já tinha visto o que o “Toni” era capaz de fazer no coral, a maestria com que dirigia, a beleza da voz, estava convencido que realmente estava diante de um cristão que buscava a perfeição, e pelo efeito do vinho não pode deixar de sugerir que gostaria de conhecer pessoalmente a perfeição de tais licores. O “Toni”, já com o ego bem massageado pelo padre, após a missa, pelo cunhado e agora pelo monsenhor, resolveu provar, na prática, suas habilidades e brindar as visitas com uma “graspa” especial, realmente muito especial, guardada num garrafão lá no fundo, bem no fundo do galpãozinho.
Pediu licença, e saiu rumo a arca do tesouro, o galpãozinho. Retirou com cuidado vários garrafões da frente e pegou aquele que guardava o tesouro, “quela graspeta speciale”. Aí veio a primeira surpresa, o “garrafonetto” estava muito leve, puxou-o para si e veio a segunda surpresa “il gue gera pien de canucchi” e “solo um poquetin de graspa al fondo”. A esta altura nada mais havia que fazer, pegou uma outra, não tão perfeita e serviu para as visitas…
À noite, na hora da janta, comentou com a família o ocorrido.
Porque o garrafão estava cheio de “canucchi”? – é a próxima história do Lino.

Graspa. – Bebida destilada a partir das cascas da uva depois de separado o vinho.

Garrafonetto. – Garrafãozinho, ou garrafão precioso.

Vesco. – Bispo ou alguém que tem sua autoridade.

Canucchi. – Canudos de taquara utilizados para tomar água numa fonte ou riacho. ( O Leonildo conhece uma história bem interessante sobre isto)

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