A lamparina que rina

Hoje uma história do Leonildo

A lamparina

Era uma manhã de setembro de 1958 (o que só fiquei sabendo muitos anos depois), o sol ainda não havia despontado e uma leve neblina iluminava os campos cobertos de flores nativas, brindando os passantes com seu agradável aroma.

O canto dos pássaros que despertavam e o ringido das rodas do carro de bois, a querida “gaiota”, onipresente nos acontecimentos mais importantes, misturava-se ao som rítmico das patas dos bois batendo na vítrea estrada de terra vermelha.

Imponentes e fortes, os animais pareciam insensíveis ao peso da imensa carga que transportavam, como se tivessem consciência de estarem participando do destino da família e objetos que conduziam.

Sentado no banco de tábuas que beirava a “caixa” do carro, e, protegido de um lado por sua mãe e de outro por seu pai, um menino segurava firmemente um lampião, que seu pai fabricara com um vidro de “Phymatosan”.

Ao ritmo do som das patas dos bois, o menino balançava seus pés descalços, batendo levemente os calcanhares nas tábuas da carruagem. Tinha os cabelos cortados bem curtos, exceto uma mecha retangular que lhe pendia na testa. Suas calças, que cobriam a metade dos joelhos, eram de brim com listras longitudinais, e, suspensas por tiras do mesmo tecido, formando uma combinação harmônica com a camisa de “riscado”.

Enquanto o menino e os pais eram conduzidos pelo carro, os outros dois irmãos mais velhos seguiam a pé, agarrados à tampa de trás da “gaiota”. O momento era mágico e ninguém ousava pronunciar uma palavra. Enquanto a mãe pensava em como seria a vida na nova casa sem luz elétrica para iluminar as longas horas de trabalho noite-adentro, e o pai se preocupava com o árduo trabalho de arar as novas terras, o menino apenas “absorvia” o momento e cada vez mais fortemente segurava a lamparina.

Tão fortemente o menino segurou a lamparina, que ela lhe penetrou na alma, onde guardo cada vez mais viva a sua imagem, hora apagada em minhas mãos, hora acesa a iluminar as longas e agradáveis horas em que minha mãe, à sua luz, nos lia as revistas doadas pelos amigos que moravam na cidade.  

Leonildo Piovesan

31 de Março de 2001