Corria o ano de 1969 e o Braga ainda não tinha Mumu. Foi nesta época que a irmã Alicia, certamente movida pela situação econômica de algumas famílias e social de um bando de alunos, resolveu começar um movimento que se tornou em pouco tempo, depois da primeira reunião, a Juventude Interessada Pelo Próximo – JIPP. Mas antes de falar da JIPP é preciso fazer uma breve análise politica, econômica e social da área metropolitana do Braga-RS e arredores.
Mesmo não sendo a capital da erva mate, o Braga sempre foi um grande produtor do referido ingrediente da bebida mais popular destes pampas, o chimarrão. A erva mate crescia pelos matos naturalmente o que fazia com que estes tivessem um grande valor econômico. Hoje os ecologistas diriam que é Agro floresta, isto mesmo um mato que tem como ser explorado economicamente sem deixar de ser mato. A única exceção no município era o erval do Pazzini que ficava entre o seminário e a granja do seminário e que tinha o cemitério velho no meio, mas isto é assunto para outros causos, era o único erval cultivado. Daqui já concluímos que a erva mate estava no meio do mato e Braga também, era uma cidade cercada de mato por todos os lados, e melhor que isso um mato produtivo. O único problema é que tirar a erva do mato exigia muita mão de obra, assim com exceção do Pazzini todos os outros produtores estavam em desvantagem e para superar isso surgiu uma organização social bem interessante.
Um pouco de como se faz erva-mate a vídeo não foi feito no Braga, mas na região, mostra como era colhida a erva no mato.
1. O proprietário do mato cedia um local para o trabalhador construir sua casa e fazer uma rocinha. Mas…
2. Tinha que trabalhar exclusivamente para ele na colheita da erva na época da safra, que ia de maio a setembro mais ou menos. E…
3. A cada três ou quatro anos tinha que mudar a casa de lugar.
Eu sei vocês estão curiosos porque o item 3. Vamos analisar passo a passo. O cidadão mora na terra e tem uma rocinha para o próprio sustento, cria um porquinho, galinhas, etc. De vez em quando o dono da terra vem buscar alguma coisa que deve ser dada em troca da moradia. O cidadão trabalha para o dono da terra e é remunerado pelo seu trabalho. Mas… Sempre tem um mas, não existe contrato algum entre as partes, por isso o pagamento em porcos, galinhas, milho ou o que quer que seja não é considerado aluguel. Logo depois de cinco anos alguém poderia reivindicar o usucapião.
Espera aí! E o que isso tem a ver com a JIPP?
Bem! Pensem comigo, os cidadãos tem obrigação de trabalhar na colheita da erva mate, quando a colheita vai até muito tarde, digamos depois de setembro, a lavoura deles só pode ser plantada depois e fica tarde e produz pouco, logo se a gente ensina as esposas que ficam em casa a plantar alguma coisa tipo horta eles terão o que comer. Está aí o plano social da professora de português, o número um. A segunda parte do plano é esta: A turma vai para a escola de manhã e o que faz a tarde? Na época não tinha muita coisa pra fazer, então visitar estas famílias poderia servir para, no mínimo, três finalidades: Compartilhar conhecimento de horticultura com as famílias, ocupar os jovens no contraturno (esta palavra foi inventada muito tempo depois mas a prática já existia) e dar uma oportunidade aos seminaristas mais tímidos a se socializarem e as garotas a se encontrar com eles fora da aula e ter assunto para escrever os diários e praticar a desinibição e oratória e… Bah! Era tanta coisa boa num só movimento que não tem como descrever, por isso vou me limitar a minha experiência.
Depois da reunião de fundação do grupo, nos salões do subsolo do salão paroquial formaram-se dois grupos um para o Braguinha e outro para o Flor da Serra, a partir de agora minha experiência é com o Braguinha, a turma de quarta-feira. Neste dia logo depois do almoço a gente ia até a frente da igreja matriz onde esperava a turma toda chegar, depois a gente ia até a encruzilhada do Braguinha onde o grupo se dividia. Minhas primeiras visitas foram para o grupo de famílias da esquerda, uns 500 metros depois da estrada principal tinha a primeira casa, se é que poderia ser chamada de casa, onde chegávamos, tomávamos chimarrão e jogávamos conversa fora até achar uma brecha para falar de fazer uma horta. Na segunda casa o processo era o mesmo. A terceira casa esta era a do Lourencinho, sempre faceirinho, só estranhava que chegavam homens com moças junto. Tem cada história… É que a esposa dele era bem mais jovem que ele e recebia frequentemente visitas de homens que vinham tomar um mate ou uma caipirinha, e como ele não tinha em casa davam dinheiro para ele ir ao armazém comprar. Lá ia ele enquanto a a esposa fazia sala, quarto e tudo mais pra visita até ele voltar. Fiquei pouco tempo nesta rota depois fui para a rota rumo a Redentora, também uns 500 metros e entravamos num caminho a esquerda onde tinha mais três famílias, nesta rota fiquei um bom tempo com a Vilma. Esta foi bem produtiva, fizemos horta carpimos plantamos rabanetes, repolhos, alface, o rabanete era para conquistar a família pois em quatro ou cinco semanas já estava produzindo. De lambuja esta rota tinha muita cerejeira, pitangueira e araticum para a gente colher no caminho. Algum tempo mais tarde fiz a rota da direita da estrada com a Terezinha e a irmã da Tuti, esta rota tinha famílias mais estabilizadas e acomodadas era mais difícil de trabalhar.
Nunca fui na turma de quinta-feira rumo ao Flor da Serra, mas posso garantir que o melhor de tudo foi que esta atividade me transformou de um rato de biblioteca que mal levantava os olhos para falar num tagarela que não cala nunca. Sem contar com a aprazível companhia das meninas tanto nas visitas às famílias como nas reuniões de planejamento das quintas à noite. Mas…
Sempre tem um mas. Um belo dia a professora Alicia resolvei acabar com tudo.
Anos mais tarde descobri a razão. Vivíamos em época de regime de exceção e aquele trabalho social despertou interesse dos detentores do poder, a professorinha foi convidada, nos moldes de convites que eram feitos na época, a dar explicações, segundo os métodos usados na época para obter informações, sobre o movimento. E finalmente foi gentilmente convidada a encerrar a atividade antipatriótica que exercíamos. Em outras palavras, fazendo um trocadilho, “A Alicia foi acusada de estar aliciando jovens para o comunismo”.