Como se faz um “torchio” sem torno

Moenda ou "torchio" feito pelo mestre carpinteiro Antônio Piovesan.

Moenda ou “torchio” feito pelo mestre carpinteiro Antônio Piovesan.

“Torchio”é a palavra em italiano que designa moenda, aqui no Brasil também é usada a grafia “torccio”. Este apelido carinhoso foi dado ao meu avô por ele ser um exímio fabricante deste tipo de moendas ou prensas destinadas a extrair o suco da cana, a garapa, ou guarapa como é mais conhecida no sul do Brasil.
Como trabalho com madeira, tentei ficar imaginando como meu avô torneava as maças dos torchios sem ter um grande torno, dispondo apenas de ferramentas rudimentares, foi aí que apelei para duas pessoas que trabalhavam com madeira, também com ferramentas precárias para tentar entender o processo. O tio Ângelo Chierentin, construtor de rodas d’agua de madeira e o seu Genésio Bortoluzzi, que também fazia torchios, mas com tecnologia mais avançada. Eles me ajudaram a compreender como o torneado ficava perfeito, feito tudo a base de machadinha, serrote, enxó, formão, plaina garlopa e outras ferramentas simples. Como os dentes da engrenagem eram feitos um a um e encaixados na maça de madeira, como eram calculados para dar certo, para que a velocidade das maças entre si fosse constante e não houvesse deslizamento. Algum tempo depois pude confirmar passo a passo a tecnologia com a tia Thereza, que quando jovem ajudou-o a fazer muitos torchios.
A escolha da madeira
Primeiro cortavam três pedaços de tora, preferencialmente de angico, pela qualidade da madeira. A primeira, mais grossa, e mais comprida, para sobrar uma ponta para o cabeçalho, as outras duas apenas do comprimento da maça mais o eixo. Fazer o torneado começava sempre pela marcação do centro da tora de madeira que originaria a maça, e com um compasso rudimentar marcava a grossura do eixo. A partir daí marcava o comprimento que deveria ter o eixo para encaixar bem no mancal e então começava a serrar em torno tirando com o formão a madeira até chegar no risco que definia o eixo. Este trabalho era o que exigia a maior precisão e a conferência do esquadro a cada momento.
O serviço de torno
Esculpidas as pontas dos eixos tudo ficava mais simples, mas não menos trabalhoso, o bloco de madeira era colocado apoiado pelas pontas de eixos em duas forquilhas cravadas no chão que serviam de mancal, aí começava o serviço de torno. Girando manualmente a tora e desbastando com a plaina até ficar perfeitamente torneada. A definição do diâmetro da maça não era crítico, no entanto a circunferência devia ter um tamanho múltiplo do passo dos dentes, este era o segredo para não dar errado. Esta circunferência era definida geralmente em polegadas, já que as medidas das ferramentas na época também o eram, se o formão era de uma polegada, a soma do dente e o vão deveria ser de duas polegadas, assim a circunferência deveria ser definida com um número par de polegadas. Em linguagem de engenheiro, a circunferência definia a linha média da engrenagem.
O próximo passo era definir o comprimento, a largura dos dentes e a posição na maça. Em geral se seguia um padrão ao redor de três polegadas do topo da maça, dentes de duas polegadas de largura e duas de comprimento, com passo de duas polegadas. O passo da engrenagem é que definia a circunferência, esta podia variar de acordo com o diâmetro da tora, desde que fechasse com o passo, em alguns casos o torchio tinha três maças de diâmetros diferentes. Definida a posição dos dentes da engrenagem era torneado um rebaixo na maça com a profundidade da metade do comprimento dos dentes. O serviço de torno estava acabado.
A engrenagem
No rebaixo feito para a engrenagem era feita a marcação dos dentes e com formão eram feitos furos retangulares para encaixar os mesmos. Os dentes eram feitos um a um, a partir de um sarrafo de guajuvira, por ser uma madeira que apresenta grande resistência e flexibilidade, com o tamanho exato para encaixar sem soltar dos furos, os dentes eram encaixados nos furos e depois cortados para que ficassem com o comprimento certo, então era feito o acabamento.
Os mancais e a base

Nesta foto de 1978 um dos últimos torchios feito por ele ainda em funcionamento na casa da tia Eulália.

Nesta foto de 1978 um dos últimos torchios feito por ele ainda em funcionamento na casa da tia Eulália.

Na base, em geral feita de uma peça única de madeira com a largura um pouco maior que a maça maior, eram feitos os furos, não passantes, que serviriam de mancal inferior para as maças. Também na base eram feitos sulcos para recolher a garapa que terminavam numa bica onde era pendurado o balde. O mancal superior, muitas vezes era feito em duas metades, principalmente quando havia escassez de madeira grande, ou para facilitar a montagem. Nas pontas das bases, superior e inferior, eram feitos furos quadrados para encaixar os postes de sustentação. Na ponta de eixo superior da maça maior e central, que ficava mais comprido era feito um rebaixo retangular onde se encaixava o cabeçalho, um galho torto que era furado no ponto de equilíbrio, ficando a ponta mais fina e mais longa voltada para baixo para facilitar o engate dos bois que fariam a tração.

Ao ver um destes engenhos atualmente jamais imaginamos quanto esforço, persistência, paciência e tempo eram gastos neste trabalho.

Daí podemos concluir que chamá-lo de “Toni Torchio” era o equivalente a chamar de paciencioso e persistente, qualidade que certamente passou às gerações futuras, tem uns tentando escrever um livro, haja paciência e persistência pra isso.

 

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