História que ouvi do Ernesto Binotto
Eu tinha uns 16 anos. Foi a primeira vez que fui para Nova Palma, com o Tio Achiles, para a primeira missa padre Reinaldo Piovesan, aí nós aproveitamos e ficamos uns dias por lá. Na segunda-feira estávamos na casa do nono e o tio Achiles mencionou que gostaria de visitar a Usina Franciscana (hoje usina CELETRO) onde ele tinha trabalhado logo que casou. O nono já tinha ido para a lavoura carpir no meio do milho e o tio Abel estava por casa e se prontificou a nos levar até lá. Eu estava muito curioso porque sempre ouvia o pai falar da tal usina, o tio Achiles estava tentando reviver o passado e o tio Abel, sempre prestativo achou um meio de não ir carpir. Era mais ou menos dez horas quando chegamos à usina, eu faceiro e maravilhado com aquela beleza, pois sempre fui apaixonado pela eletricidade e as coisas dela, o tio Achiles relembrando como era no tempo dele e como estavam as coisas agora e o tio Abel andando devagarinho pra lá e pra cá. Foi uma visita de curiosidade da minha parte, de saudade da parte do tio Achiles e um passeio para o tio Abel.
Na volta já bastante tempo de pé ou caminhando o tio Abel caminhava mais devagar ainda quando estávamos passando na frente da casa do Ernesto Binotto, que nos chamou para tomar um chimarrão, o tio Abel adorou a ideia, ia poder descansar um pouco e o Tio Achiles certamente ia matar a saudade do antigo vizinho. Como não tinha opção acompanhei os dois. Arrastaram umas cadeiras, nos sentamos e começaram as histórias do passado, as novidades, o que um e outro estavam fazendo, e por aí vai. – Quem era eu? Aí tive que explicar que era filho do Lino, que meu pai estava morando em Jaboticaba, etc. e tal. Aí ele quis saber do tio Abel como estava o Toni? O tio disse que estava limpando o milharal porque tinha muita milhã e picão já altos. Foi aí que seu Ernesto começou com aquele seu sotaque característico dos Binotto:
“- Sabe isso me lembra uma coisa, foi no ano passado, mais ou menos por esta época, eu quase não saio a pé, mas tinha ido pra Nova Palma e vinha voltando quase de meio dia, o sol estava bastante quente e eu cansado vinha devagarzinho. Aí quando estava perto do milharal vi uma coisa estranha (ele falou em italiano mas não lembro bem as palavras), apareceu uma enxada por cima do milharal. Não prestei muita atenção e continuei, dali a pouco vi de novo a mesma coisa e comecei a ficar intrigado. Como estava cansado mesmo, sentei no barranco, numa sombra e fiquei olhando o milharal para ver se aparecia a enxada de novo, demorou um pouco e apareceu de novo. Ai eu comecei a tentar imaginar o que estava acontecendo. O Toni levantava a enxada na velocidade normal, mas baixava muito devagar pra quem quer cavar fundo, logo não poderia ser que estava arrancando algum inço maior, será que ele levantava para ver a altura do sol para saber a hora? Aquilo foi me deixando cada vez mais intrigado, que método estranho de ver as horas.
Era um pouco longe e eu estava cansado, mas não aguentei a curiosidade, entrei no milharal e fui andando devagarinho até chegar bem perto. “-Toni ghe gera drio sapare pimpianeto –” eu fiquei olhando atrás dele para ver o que acontecia. Aí ele deu uma paradinha coçou a ponta do cabo da enxada, não sei se encostou no nariz ou no queixo, ergueu a enxada contra o sol, coçou de novo a ponta do cabo e continuou a carpir. Fiquei mais curioso ainda para ver detalhadamente o método de ver as horas e fiz uma volta grande pelo milho pra ele não me ver e fiquei pela frente para ver o que acontecia, bem quietinho. Aí aconteceu de novo, ele coçou a ponta do cabo, colocou a ponta do cabo na boca, levantou e enxada contra o sol, fez uma careta e baixou a enxada. Aí eu vi, ele colocou de volta a rolha na ponta do cabo e continuou a carpir tranquilamente. Saí bem quietinho e fui para casa…”
Aí ele se virou para mim e completou: – eu sei que você sempre achou que teu pai era muito inteligente, mas esta de fazer o cabo da enxada de taquara e furar os nós pra levar a “cachaceta insieme” é uma invenção do teu avô.
O tio Abel e eu até achamos engraçado, mas o tio Achiles fez uma cara de quem achou a história um desrespeito. Foi aí que eu lembrei que o pai tinha enxadas com cabo de bambu, porque era muito fácil de colocar e ficava forte e leve, e eu tinha visto na casa do nono, enxadas com cabo de bambu. Voltamos para casa almoçamos e saímos e eu esqueci de verificar se a enxada do nono tinha rolha na ponta do cabo…
Dizem até que era por isso que chamaram ele, por algum tempo, de “Toni Taquara”. Outros dizem que era por causa de um garrafão que tinha no galpãozinho perto do rio cheio de “canuchi”, mas esta é outra história…