Oba nheiro! (Isso mesmo, finalmente um lugar reservado para o banho)
Já falei anteriormente do canal (valeta) que trazia água do lajeado do Moinho desde a Olaria do tio Atílio Zanon, depois do João Roberval, depois do tio Gervásio… e foi passando de mãos, até a Caixa d’água de onde descia em duto de alta pressão (cano) até a usina. Também falei que ela cercava o arvoredo e a horta, dos quais falarei qualquer dia, e tinha umas passagens para pedestres, mas tinha também uma ponte por onde podia se passar de carroça, ficava exatamente onde agora passa o caminho que leva à gruta.
Voltemos atrás na Rua Ipiranga, naquela época rua principal, a única da vila. Partiremos da curva à direita. Onde agora tem a carpintaria tinha a cancha de toras, local onde ficavam as toras de madeira para serrar, à esquerda onde tem a jabuticabeira (conheci ela pequeninha), era o pomar do vô. Um pouco mais a frente ficavam, a esquerda o moinho e a direita a serraria, no inicio tinha duas: a dos Manfio e a dos Trentin, mais tarde ficou só a dos Trentin. Alguns anos depois no lugar da dos Manfio foi construída a oficina que queimou. Descendo à esquerda antes do moinho chegava-se ao terreiro das casas, a primeira da esquerda era a do nono Serafim e da nona Rosa, depois vinha o casarão que tinha a grande sala e os quartos de diversas famílias, a nossa também, e as tias dormiam no sótão, finalmente tinha a casa da vovó com biblioteca, o quarto deles, a sala e a cozinha comunitárias. Aí tinha um caminho que atravessava a valeta até o chiqueiro dos porcos. A direita do caminho atrás do moinho e a esquerda da “estrada da gruta”, como chamávamos, ficava o galpão. Do outro lado da estrada da gruta ainda antes da valeta ficava o coberto, apenas um telhado, dos tachos de fazer açúcar. Um pouco mais adiante, já atrás do “engenho” – serraria – tinha o “torchio” de ferro que servia a quase toda a comunidade. Acho que terei que fazer um mapa disso, pois vai voltar muitas vezes.
Passando a valeta em direção à gruta tinha à esquerda o chiqueiro dos porcos, depois os pés de araticum, à direita, num nível bem mais abaixo, ficava a casa do tanque de lavar roupa e o banheiro. Uma canaleta de madeira a bica, saia da valeta e jogava água no tanque, um caixotão de madeira com tábuas enormes dos dois lados onde podiam lavar roupas umas seis pessoas, três de cada lado. Como o tanque era alto podia-se lavar roupa de pé, posição ergonomicamente muito mais confortável do que de joelhos no lavador do rio. Voltarei mais tarde a falar deste local que também protagonizou muitas histórias.
O assunto de hoje é o banheiro, um quartinho fechado que tinha passando o tanque, fazendo parte do mesmo edifício, eu disse edifício, mas deveria dizer é difícil. Quando alguém queria tomar banho era só encaixar um prolongamento na bica do tanque e a água passava a jorrar dentro do banheiro, água fria é claro, mas com o conforto de ser um edifício fechado. O que mais me arrepiava era ter que tomar banho frio, o que acontecia seguidamente, pois éramos um tanto ativos e isso incluía brincar na serragem, na água do rio, no ladrão (comporta de nivelamento e alívio de excesso de água), nos matos, na cancha de toras e no potreiro. Hoje quase não tenho folego para narrar tudo isso, imaginem na época fazer.
O tanque era o lugar das tias, filhas do vô Bortolo, e das primas delas, filhas do tio Antônio, se reunirem para lavar roupas e contar histórias, alguns maldosos diriam fofocar. De uma forma ou de outra era um lugar de socializar conhecimentos e descobertas. Segunda-feira era o dia de lavar roupa por excelência, pois após o domingo de festa, jogo de prenda, futebol ou outra atividade sempre tinha o que falar, digo sempre tinha roupa para lavar. Mas não era só roupa que se lavava no tanque, antes do almoço lavávamos as mãos na bica do tanque.
Depois a criançada toda ia para a casa da vó onde o almoço esperava. Almoçávamos sempre separados dos adultos e quem nos cuidava era a nona Rosa. Dos almoços não tenho muitas lembranças, mas lembro do café da manhã muito bem, chá-de-mate com leite, pão e chimia, e a nona como um general a comandar “- bevi matto” (tomem o chá-de-mate). Às vezes o vô Bortolo passava e se alguém derrubasse o pão ele logo fazia uma previsão, se o pão caísse com a chimia para baixo o derrubador ia ser pobre, pois “o pão do pobre sempre cai com a manteiga para baixo.”
O vô Bortolo tomava o seu chá-de-mate numa baita xícara, até parecia uma sopeira, com pão torrado, eu achava aquilo o máximo, mas nós nunca ganhávamos pão torrado.
Depois do café o nosso trabalho era brincar o dia inteiro, exceto quando tinha algum trabalho especial para fazer como juntar feijões, esta será a próxima história, eu acho…
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