A roseta e as pitangas

No finalzinho do inverno, lá na encosta ao lado do estádio do “Sport Club Sanga Funda”, quase no que poderia se chamar de arquibancada. Se descortinava um belíssimo gramado que se estendia até a borda do mato acima onde vicejavam pitangueiras, guabijuzeiros, ingazeiros e cerejeiras. Uma paisagem deveras atrativa para crianças que praticavam a coleta de frutos silvestres após o almoço diariamente.

No entanto um dos empecilhos naturais afora a subida íngreme se espalhava pelo chão junto a grama. Eram as rosetas, cientificamente conhecida como Soliva pterosperma, tem como características básicas, crescer nos gramados, produzir muitas flores a consequentemente muitas sementes que tem um pequeno espinho voltado para cima, mecanismo de difusão da espécie, que se prende a um pé descalço, por exemplo para ser espalhada.

Resumindo: depois do caminho para a roça que passava ao lado do campinho tinha um potreiro que terminava num pequeno capão de mato na divisa com os Schiavinato, que tinha uma boa variedade de árvores frutíferas nativas. No entanto para chegar lá, em especial na época de pitangas tinha que se passar pelo gramado infestado de rosetas. Isto tornava a coleta de pitangas um tanto difícil, em especial para as crianças que não tinham calçado. Eu nunca tive este problema naquele lugar, pois sempre que íamos lá era no domingo e neste dia a gente saía de chinelo ou alpargata. No entanto os primos e primas que ainda não iam na escola, pois os que iam para a escola já tinham chinelos, só conseguiam ir às pitangas arrastando os pés e isso só valia até as sementes amadurecerem porque depois, bem! Depois era um inferno. Milhares de minúsculos espinhos de cravavam na sola dos pês dando uma dor terrível e depois uma coceira, a menos que…

A menos que o pai e a mãe resolvam ir tirar uma sesta apos o almoço, aí a gente pega os chinelos deles, vai comer pitangas e depois volta a tempo de devolver os chinelos ao lado da cama antes eles acordarem. Esta tática funcionou normalmente por um bom tempo até que um dia o chinelo da mãe ficou brincando e atrasou…
– Dove zê e miei cinele? Gritou a dona Pierina.
Passados alguns minutos apareceu a filha muito sem jeito.
– Mãe, eu vi que as chinelas da senhora estavam sujas aí aproveitei para ir na fonte lavar…

Visita dos primos isto foi antes desta história. Logo que o tio Achiles veio de Nova Palma.

Essa foi a nossa realidade por muito tempo calçado era um luxo para poucos a gente ia se virando como podia e os calçados passavam de mão em mão, ou melhor de pé em pé, até não dar mais.

Lá em casa não tinha pitangueira, mas tinha o arvoredo que também tinha a dita plantinha aí a criatividade tinha que imperar. O mais comum era fazer as pernas de pau de taquara. Se cortava duas taquaras de mais ou menos um metro e meio e depois, acima do primeiro nó se faziam dois furos um de cada lado e se travessava um “caitcho”, um pauzinho capaz de suportar o peso da gente. deixando uma ponta pra fora de uns dez centímetros e depois era só subir neles e ir andando. Outra técnica era a de furar as bordas do fundo de uma latinha e atar uma corda. aí a gente subia nas latinhas e com as mãos segurava a corda pra latinha não cair do pé enquanto caminhávamos.